A volta do Brasil Grande que pensa pequeno
Ao contar o passado, pela epopéia dos Irmãos
Villas Bôas, o filme “Xingu” ilumina o presente. E coloca a plateia
diante de uma questão atual e incômoda: omissão também é protagonismo
Mas, ao iluminar o passado, Xingu, o filme, ilumina Xingu, a vida. E o ilumina para além do Parque Nacional do Xingu, o grande feito dos Irmãos Villas Bôas, consumado em 1961. Ilumina com verdades suficientes para questionar a plateia em outras verdades: por que permitimos, pela omissão da maioria, que a faraônica obra de Belo Monte – aqui, agora – destrua uma das maiores riquezas culturais e biológicas do planeta? Por que, em um governo dito popular, se reedita o autoritarismo para impor um elefante branco da democracia, com a nossa cumplicidade? A plateia que assiste ao filme precisa responder, ao deixar a sala de cinema, a uma pergunta bem incômoda: por que, na vida, não consegue deixar de ser plateia.
O filme termina quando a Transamazônica começa a ser construída. Naquele momento, com uma imprensa censurada pela ditadura e um país dominado pelo ufanismo do “Brasil ame-o ou deixe-o”, do “Integrar para não Entregar”, do “Terra Sem Homens para Homens Sem Terra” talvez só Orlando e Cláudio Villas Bôas – além do governo militar e de seus apoiadores – eram capazes de compreender o que aconteceria quando a estrada rasgasse a selva e literalmente a encharcasse de sangue. Hoje, não. Nenhum de nós tem a desculpa de não saber o que já aconteceu. Nenhum de nós tem a desculpa de ignorar a destruição da floresta e a matança de gente, bicho, planta e cultura consumada no Brasil Grande da ditadura militar. Nenhum de nós tem a desculpa de ignorar a ocupação incompetente e a trilha de mortes que só faz aumentar. Não há desculpa para a ignorância do passado. E penso que não há desculpa para a omissão no presente, diante do futuro.

Conhecer a Amazônia exige um movimento – e um desejo maior. Assistir ao filme é muito fácil. Se puderem, assistam ao Xingu e, na última cena, uma das mais belas do nosso cinema, se enfiem na pele de um dos Irmãos Villas Bôas e percebam que, querendo ou não, é diante desse olhar que nós todos estamos – agora.

É por acolher o conflito que os bons filmes, mesmo que nos contem de mundos e de gentes distantes, ecoam na vida de todos nós. Pescam nossos demônios internos e os fazem dançar diante dos nossos olhos. Os bons filmes, como os bons livros, nos transtornam por dentro, mesmo que ninguém fique sabendo porque só a nós diz respeito; e nos transtornam de dentro para fora, como neste caso, ao percebermos que a omissão também é um tipo de protagonismo. Os bons filmes são como os bons governos: acolhem o conflito e dialogam com o contraditório. Os maus filmes são como os maus governos: calam os conflitos e chamam o contraditório de “fantasia”. Xingu é um bom filme.
Os realizadores de Xingu já tinham deixado explícita a intenção de, ao contar a epopeia histórica dos Irmãos Villas Bôas, criar uma oportunidade para pensar sobre os dilemas do Brasil atual. “Se o filme conseguir trazer a história desses caras para uma discussão do futuro e do presente seria muito legal. Apesar de ser um filme de época, é muito contemporâneo. Uma das coisas que me encantaram nessa história foi essa possibilidade de discutir coisas contemporâneas contando uma história do século passado”, disse à imprensa Cao Hamburger, o diretor, durante o lançamento do filme. E, em outro momento: “A ideia é que a gente repense a maneira como somos. O que é o progresso hoje? Que crescimento a gente quer?”.
Também os atores, ao viverem o Xingu para encenar o Xingu, confrontaram-se com os conflitos vividos por seus personagens – mas também os incorporaram como cidadãos diante da experiência para além da filmagem. “Os Villas Bôas fizeram uma previsão: que o encontro (entre brancos e índios) era inevitável e a civilização ia chegar à fronteira do rio. E eles chamavam isso de ‘abraço da morte’. De avião a gente vê claramente a devastação ao redor. Então esse ‘abraço da morte’ chegou”, contou Caio Blat. “Não teve um dia de filmagem que não vimos fumaça de queimada. Até o set queimou, a equipe toda ajudou a apagar o fogo. E isso acontece sempre: aconteceu quando filmamos, aconteceu no ano passado, vai acontecer este ano de novo”, afirmou Felipe Camargo. “A ecologia não pode mais ser vista como uma coisa bonitinha, ‘vamos preservar a natureza’. Não: vamos preservar a nossa vida.”
Ao refletir sobre a experiência de filmar Xingu no Xingu, Cao Hamburger declarou: “Considero que essa cultura e essa filosofia de vida deles não estão paradas no tempo, elas estão em desenvolvimento, como a nossa. O que está me interessando muito é o que nós podemos aprender com essa cultura. O Brasil tem um tesouro que faz questão de esconder e desprezar, e está perdendo a oportunidade de absorver e aprender com eles. A cultura deles é muito rica, muito sofisticada, e o Brasil tem muito a ganhar”.

O cineasta Fernando Meirelles, produtor do Xingu, foi contundente em suas afirmações ao longo da série de entrevistas sobre o filme: “O que eu acho que vale ressaltar do filme é como ele é atual. Vindo para cá, eu li no jornal que o Megaron Txucarramãe, que era coordenador da Funai no norte do Mato Grosso, tinha sido demitido porque tem uma posição contrária a Belo Monte (outubro de 2011). É a história do filme, da Transamazônica, se repetindo. O filme não poderia ser mais atual, nesse momento em que Belo Monte e o Código Florestal são assuntos muito fortes”. E, mais tarde: “Eu, pessoalmente, acho que Belo Monte é um dos maiores erros atuais. A gente está construindo usinas basicamente para poder aumentar a produção de alumínio. Vai comprometer toda aquela área pra produzir mais alumínio. É esse o progresso que queremos?”.
Em outra manifestação, Fernando Meirelles foi ainda mais direto: “A Transamazônica do filme é a Belo Monte de hoje. Aquele deputado de terninho é a Kátia Abreu (senadora da bancada ruralista pelo PSD/TO). Isso está muito claro”. No filme, há ainda um militar que é a cara desse governo no trato de Belo Monte e das questões ambientais. Só não gritei – “Nossa, é a Dilma Rousseff!” – porque faço uma campanha persistente pelo silêncio no cinema. Quando Orlando Villas Bôas tenta explicar que a Transamazônica vai passar por cima dos Kren Akarore, uma etnia isolada, o militar declara: “Limpe o caminho. Mas tem que ser rápido”.
Há de se eliminar aquilo que “atravanca” o progresso ontem, o desenvolvimento hoje – tirar da frente, custe o que custar. “Resolver”. E rápido. Como a História mostrou, dos 600 Kren Akarore restaram 79 depois da abertura da Transamazônica. Ou seja: o efeito da Transamazônica, apenas sobre uma única etnia indígena, foi um genocídio de mais de 500 seres humanos. E a Transamazônica até hoje é uma picada intrafegável boa parte do ano, apelidada por onde passa de “Transamargura”. As obras de Belo Monte começaram – sem o cumprimento das condicionantes ambientais – e o estrago já é visível.


Cara presidente, se não existisse “fantasia” não existiria humanidade – não existiria nem mesmo o conceito de nação. Como disse Fernando Meirelles, no site da produtora O2 Filmes: “Sonhe um pouco, presidenta. Ou ao menos escute o sonho dos que conseguem sonhar”.
Kayçara Myga Iapo Tariano - atriz indígena no Teatro e Cinema
Kayçara Myga Iapo Tariano (Ana Paula Peixoto Pinheiro) do povo indígena Tariano:
Sou de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas-Brasil, nascida em 04/04/1992.
Bom não fiz nenhuma faculdade de cinema, mas faço teatro, no teatro Indígena do Amazonas na Cia Pombal, já participei de várias peças e dois filmes de longa metragem o “Xingu - o Filme” e “A caminho sem Volta”, ainda não fiz nenhum curta metragem mais quem sabe logo faça. Por exemplo em “ Xingu - o Filme” fiz o papel da Mavira que foi a namorada do Caio Blat. " Xingu - o filme" foi uma experiência muito boa! O elenco, a direção do filme e a equipe foram muito maravilhosos.
Na minha trajetória já tive bastante dificuldades, sim pois o povo amazonense em vez de ter orgulho em serem chamados de índios, tem vergonha disso. Isso me dá raiva, pois até nosso próprio povo tem vergonha de sua origem , mais o que eles não sabem é que a terra é do índio desde no inicio da colonização, uma coisa que tenho muito orgulho é de ser o que sou!
Uma das coisas que me marcou muito, foi quando foi alugar uma casa e a dona da casa só porque soube que eu era índia, não quis alugar por que ela acha que lugar de índio é no mato. Mas discordo dela, queres saber por que? Por que todos nós seres humanos somos iguais sejamos brancos, morenos, negros, índios ou o que for, todos temos direitos de aprender e mostra o que sabemos.
Uma das barreiras que tive, foi que ninguém, praticamente ninguém acreditava que eu pudesse chega a algum lugar, mas não sou sonhadora, vivo mesmo é com pé no chão. Pois sei que para se chegar em algum lugar só vai depender de mim .. e eu sei que vou conseguir o que tanto quero ... já sofri bastante preconceito na escola e no meu primeiro emprego todos zombavam de mim, quer saber o que eu fazia? Era mais ousada (eu dizia que sou sim índia, conheço minhas origens e você sabe pelo mesmo de onde veio? Pois eu sou índia e tenho muito orgulho de ser- eu respondia assim!).
Sou bastante justa, não gosto de mentiras, nem falsidades sou o que sou e ninguém me muda, e se eu mudar um dia vai ser só por fora por dentro serei a mesma .. todos são iguais pra mim.
Agradeço pelo carinho. Beijos!
Contatos Kayçara Myga Iapo Tariano: anapaula.tariana@hotmail.com
Publicado originalmente em: http://cinemaartes.blogspot.com.br/
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Filme brasileiro de encher os olhos.
ResponderExcluirEste é o melhor filme brasileiro dos ultimos 50 anos.
Os personagens principais desta monumental produção brasileira são a natureza e os indios. Os irmão Vilas Boas são os personagens secundários mais importantes e o Brasil (com seus latifundiários, jagunços, políticos pilantras e militares desligados da realidadde multicultural nacional) faz apenas uma pontinha. O Brasil, na verdade funciona apenas como um elemento indutor e complicador da trama.
A saga dos irmãos começa quando eles se aventuram durante a abertura da nova fronteira agricola no Mato Grosso. Os tres irmão são personagens não lineares e por isto mesmo muito cativantes. Leonardo passa de defensor de indios a sedutor de india. Claudio evolui do indigenista contemplativo e compreensivel para o administrador autoritário do Parque do Xingu que obriga indios a irem para a reserva ameaçando-os com a arma em punho. E Orlando, o mais versátil dos irmãos, transita bem tanto na selva da política e da imprensa quanto entre os indios com quem tem um contato respeitoso e mais profundo que seus irmãos apesar de ter sido o ultimo a se juntar à aventura.
Indios falando sua lingua e representando sua cultura e história é coisa bonita de se ver. Eles são os protagonistas do filme e sua atuação é de fazer inveja a muito artista profissional.
Sou casca grossa e tenho um coração de pedra, mas fiquei emocionado com este filme porque ele mostra um outro Brasil possível. Possível e bem sucedido como próprio Parque do Xingu que foi oficializado e segue existindo de fato e de direito não só como uma instituição indigena, mas como uma instituição brasileira (apesar de seus inimigos) e mundial (apesar de seus falsos amigos dos zóios azuis gringos e europeus).
Os belos closes do por do sol e a sinfonia dos pássaros quase permanente dá ao filme uma caraterística unica. Através dele somos transportados para um outro Brasil, para um país que a maioria de nós, confinados em cidades sujas, conflituosas e barulhentas, não conhece. Vale o ingresso. Diversão, cultura, ficção e história juntos misturados como em nenhum outro filme brasileiro. Espero que NÃO levem este filme para disputar o Oscar, pois a premiação na mediocre e comercial Academia de Cinema criada pela raça mestre dos zóios azuis apenas reduziria a relevancia cultural e a importancia estética de Xingu.
Por Fabio de Oliveira Ribeiro
‘Xingu’, de Cao Hamburguer, vira microssérie em quatro episódios
ResponderExcluirSaga dos irmãos Villas-Bôas terá cenas inéditas e estreia dia 25 de dezembro na Globo
RIO - Dirigido por Cao Hamburguer, o filme “Xingu” chega à televisão a partir do dia 25 de dezembro em formato de microssérie, em quatro episódios, antes do “Jornal da Globo”. O enredo narra a trajetória real de Cláudio (João Miguel), Orlando (Felipe Camargo) e Leonardo (Caio Blat), os irmãos Villas-Bôas. Parte da equipe da expedição Roncador-Xingu que, na época do governo Getúlio Vargas, pretendia explorar locais ainda desconhecidos do Brasil, os três se apaixonaram pela cultura indígena e foram responsáveis por preservar a cultura de diversas tribos com a criação do Parque Nacional do Xingu, em 1961.
— Os irmãos Villas Bôas são alguns dos maiores heróis brasileiros e, ao mesmo tempo, os mais anônimos. A grande importância dessa adaptação é essa história estar disponível a uma quantidade de gente muito maior na televisão. Na TV, ela ganha um significado político e ideológico enorme — explicou o diretor de núcleo Guel Arraes, durante o evento de lançamento da microssérie para a imprensa, na manhã desta segunda-feira.
O diretor Cao Hamburguer conta que o auxílio de Guel foi fundamental para transformar o filme em um produto para a televisão. Além de cenas extras, a nova produção ganhou uma narração em off feita pelo ator João Miguel.
— Incluímos mais algumas cenas que haviam ficado de fora e retrabalhamos o conteúdo para deixar o ritmo um pouco mais acelerado. Fizemos um trabalho de edição que deixou a série com cara de TV de boa qualidade, gostosa de assistir na tela pequena — conta Cao.
O diretor e os atores contaram ainda sobre a experiência de preparação para o filme que, segundo Cao, começou 3 anos antes das gravações, com o processo de pesquisa. Para os atores, a convivência com os índios — que atuam no filme — ajudou muito a entender o processo pelo qual passaram os irmãos Villas-Bôas.
— Com a ajuda dos índios, entendemos melhor a trajetória dos irmãos. Moramos nas casas junto com eles, passamos semanas dentro da mata, aprendendo a fazer o que eles faziam. Para os índios, a atuação tem um outro sentido. Eles não estavam ali interpretando, e sim contando sua própria história. Talvez tenha sido a experiência cinematográfica mais forte que eu tive, principalmente pela responsabilidade de interpretar esses caras — relembra o ator João Miguel.
Caio Blat contou que várias das tribos com que a equipe trabalhou no Xingu têm acesso a internet e que ainda mantém contato com alguns deles.
— O gerador deles fica ligado apenas duas horas por dia. Às vezes, estou na internet e dá para perceber que eles ligaram o gerador: começam a pipocar vários índios em janelas no Facebook falando “Oi, Caio” — disse o ator.
Por que não parar de repetir os mesmos erros?
ResponderExcluirhttp://acritica.uol.com.br/amazonia/Rousseff-admite-falhas-construcao-parar_0_1438656125.html
Fiz uma compilação de vídeos sobre as usinas do Xingu e Tapajós. Todos muito bons. Achei que podia interessar pra geral.
ResponderExcluirEncontro dos sábios
https://vimeo.com/140722060
Mundurukânia, na Beira da História
https://vimeo.com/145687137
Especial Tapajós, da Agência Pública, com vários vídeos:
http://apublica.org/especial-tapajos/
Índios Munduruku: tecendo a resistência
https://vimeo.com/112160970
Belo Monte, anúncio de uma guerra
https://m.youtube.com/watch?v=ZoRhavupkfw
Os refugiados do desenvolvimento
https://vimeo.com/130726160
Cinzas de Belo Monte
https://vimeo.com/145210630
Damocracy
https://www.youtube.com/watch?v=IQFpohbSxYg
Hidrelétricas: a mágica da energia limpa
https://vimeo.com/147141040
Se alguém lembrar de outros, só colocar nos comentários.