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sábado, 14 de abril de 2012

Filmes apetitosos para o pensamento


A política está na mesa




O interior do Cine Pireneus
Ficou com fome quem veio ao Slow Filme, em Pirenópolis/Goiás, à cata de regabofes como A Festa de Babette ou delicatessen como Ratatouille. Este é um festival de cinema político, aliás como poucos outros no Brasil. A alimentação aqui é uma via de acesso ao funcionamento da sociedade, uma vitrine para a divulgação de práticas revolucionárias no uso da terra e dos recursos alimentares. Uma tribuna dos pequenos contra os grandes.
Acho que foi neste delicioso Cine Pireneus, que se deu a primeira exibição brasileira do longa francês Soluções Locais para a Desordem Global, um filme que praticamente resume o espírito do festival. É um libelo contra a agroindústria e a exploração dos agricultores pelas multinacionais das sementes compulsórias e dos fertilizantes químicos. Durante três anos, Coline Serreau viajou por quatro continentes coletando depoimentos e histórias de quem reage contra a mercantilização desmesurada da alimentação. Da Ucrânia à Índia, da França ao Brasil, ela entrevistou ativistas, filósofos, economistas e agricultores. O MST brasileiro tem papel de protagonismo, não como a brigada ideológica que a direita brasileira teima em pintá-lo, mas como um exército de gente comum em busca de soluções locais e independentes. A policultura em espiral praticada no Sul, por exemplo, e chamada de “agricultura companheira”. É claro que sobram farpas contra o projeto de etanol do governo Lula numa conversa entre João Pedro Stédile e a veneranda agrônoma Ana Primavesi.
Coline Serreau não perde a oportunidade de dar seu habitual viés feminista ao assunto. O tratamento exaustivo da terra, a corrida pela produtividade em troca da sustentabilidade, a industrialização desenfreada são apontados por vários participantes como uma masculinização da agricultura, que tanto podem reverter quanto mais esse métier seja devolvido às mulheres. Nesse raciocínio de gênero, até o contumaz genocídio de fetos femininos na Índia pode estar ligado a essa supressão das mulheres do cenário do suprimento alimentar no mundo.


O curador do Slow Filme, Sergio Moriconi, fez escolhas corajosas, algumas até radicais. O curta O Jantar, por exemplo, faz um comentário mordaz sobre a atualidade húngara através do som do rádio enquanto um homem sofre um acidente fatal no seu chiqueiro, e o cadáver fica dias por lá, ante a indiferença da família, até ser devorado pelos porcos. No doc iraniano Gato e Rato,acompanhamos a saga dos meninos catadores de restos de pão para a indústria de reciclagem, um trabalho de Sísifo que parece fazer uma ponte entre a era industrial e os tempos medievais. No Senegal, meninos mendigam pão nas ruas para vender no mercado negro de pão dormido (O Pão Nosso de Cada Dia). Na Índia, Comida, Sempre Comida faz um corte transversal da sociedade através dos hábitos alimentares, destacando a luta dos vendedores de rua para fazer face à polícia corrupta que os reprime para dar lugar às cadeias de fast food. Na Polônia, Milkbar enfoca a decadência das cantinas populares ex-comunistas, assoladas pela atual miséria financeira da população. Do Uzbequistão veio um impressionante doc sobre o progressivo encolhimento do Mar de Aral, que transformou um vilarejo de pescadores numa cidade-fantasma em meio à desolação de um deserto salgado.
Ou seja, o Slow Filme não veio pra bolinho. Isso não quer dizer que não haja diversão. O curta de animação francês O Santo Banquete, por exemplo, narra com bandejas de humor negro a história de um ogro que não consegue atingir sua meta de comer criancinhas no dia festivo dedicado a isso. Os curtas catarinensesHistórias da Cerveja em Santa Catarina e Cerveja Falada são fermentados em humor etnográfico colhido na expressão regional e no carisma de alguns personagens.
Esse humor etnográfico, carinhoso e cativante, temperou muitos filmes da programação e transbordou no longa O Mineiro e o Queijo, de Helvécio Ratton, outro que soou como síntese dos conceitos do Slow Filme. Esse mergulho profundo numa Minas secular, a dos produtores do queijo artesanal, isolados nas montanhas do Serro e da Canastra, tem tudo para agradar quem gosta de docs e de gastronomia. Ele nos leva aos currais, às pequenas quejeiras e a um processo de fabricação em que as mãos têm importância fundamental. Mas a dimensão política do filme é enfatizada, denunciando as normas sanitárias (alegadamente obsoletas e alienadas da realidade brasileira) que impedem o autêntico queijo Minas de ser vendido fora do estado.

Carmem Moretzsohn e Gioconda Caputo, organizadoras do Slow Filme
Festival pequeno, mas com identidade forte e organizado com simpatia e eficiência pela equipe da Objeto Sim, o Slow Filme fez circular sua mensagem num ambiente propício. Na graciosa Pirenópolis, vivemos uma grande proximidade com os frutos diretos da natureza. Em cada prato ou guloseima, sentimos mais a mão do homem do que as esteiras da indústria. Isso é comida para o pensamento.
+ Infos detalhadas sobre os filmes e o Festival: http://www.slowfilme.com.br





Confira a Comida (Food) do genial tcheco Jan Svankmaje:

 Café da Manhã, Almoço e Jantar 

Como Voce Nunca Viu!

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