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segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Viajando por outros ares


7 maneiras de escutar a Lou Reed no cinema

Por Luis M. Álvarez

Se nos determos na morfologia sonora do cinema de Julian Schnabel, concretamente nas músicas que se escutam em suas trilhas sonoras, descobriremos o nome de um intérprete, músico e compositor que se repete em quase todas elas: Lou Reed. Se escuta Baton rouge em Antes que anoiteça (Before night falls, 2000), Pale blue eyes em O escafandro e a mariposa (Le scaphandre et le papillon, 2007) ou Carbon en Miral (2010) —interpretada esta última em colaboração com Laurie Anderson. Sua devoção pela música dele que foi o líder da mítica banda The Velvet Underground, lhe levou inclusive a desenhar o tour com ele em que o artista nova-iorquino recuperava o que havia sido seu terceiro álbum solo, Berlin (1973), que não foi entendido no momento de seu lançamento, mas que com o tempo foi se consolidando pela crítica especializada como um de seus melhores álbuns. Desta forma surgia também um filme, Lou Reed Berlin, que documenta um desses concertos, o de Nova York.

 Considerado por muitos como o pai do rock alternativo, a influência de Lou Reed não se limita só ao âmbito musical, senão que, da mesma maneira que ele recorre ao legado de autores literários como Allen Ginsberg, Frank Wedekind, Jean Genet o Edgar Allan Poe, suas canções conseguiram inspirar a cena artística da década dos sessenta, tão vinculada com Andy Warhol, assim como a cineastas posteriores, que incluíram muitos de seus temas nas trilhas sonoras de seus filmes. Um emaranhado de correspondências artísticas que demonstram que a arte flui em todas as direções, rompendo qualquer barreira de forma e de formato. Por isso propomos um pequeno percurso através de 7 maneiras de escutar a Lou Reed no cinema que, dada a grande extensão de sua obra, me limitei as incursiones cinematográficas de suas canções solo, deixando seu legado a frente do The Velvet Underground para outra ocasião.


Walk on the wild side

Provavelmente seja a canção mais popular da carreira solo de Reed, incluída em seu segundo álbum, Transformer (1972). Produzido por David Bowie, estamos falando de uma música atrevida e transgressora, cuja letra da conta de insólitos encontros sexuais com todo tipo de fauna noturna —incluindo transexuais, michês e prostitutas—, no que era una crônica velada de algumas das experiências mais extravagantes dos frequentadores assíduos do estúdio de Andy Warhol, conhecido como The Factory. Sendo assim, não é de se estranhar que fosse incluída na trilha sonora de filmes que giram em torno a personalidades tão controvertidas como a protagonista de Georgia, a cantora do filme Ulu Grosbard, a que dava vida a intensa Jennifer Jason Leigh ou a jovenzinha desejosa de experiências sexuais que interpretava Francesca Neri na adaptação cinematográfica de As idades de Lulú, a famosa novela de Almudena Grandes que Bigas Luna levava ao cinema em 1990. Ainda que talvez o filme que maior justiça lhe faça seja aquele em que se dava a conhecer ao cineasta independente estadunidense John Cameron Mitchell, através da fascinante Hedwig and the Angry Inch (2001)



Perfect Day

Também em Transformer aparecia esta música popular que alcançaria uma segunda vida quando fosse incluído na trilha sonora de Trainspotting, o também popular filme dirigido por Danny Boyle em 1995, adaptação da novela homônima de Irvin Welsh. Uma canção que seria reeditado em um single com fins beneficentes pela BBC, em uma versão interpretada por alguns dos artistas mais populares dos finais dos anos noventa. A letra da canção se abre a diferentes interpretações que oscilam entre a alusão a sua relação com Betty Kronstadt, que se converteria em sua primeira esposa, mas também a seus conflitos com o uso das drogas. Por isso, ainda que posteriormente se poderia escutar em filmes como O primeiro dia do resto de sua vida (Le premier jour du reste de ta vie, 2008, Rémi Bezançon) ou Gaz Bar Blues (2003, Louis Bélanger), nao há melhor momento cinematográfico para Perfect Day  do que quando Renton (Ewan MacGregor) se injeta uma dose de heroína, caindo em um transe letargo que quase o leva a morte no que teria sido o dia perfeito... para morrer. Se bem que podemos identificar a letra da canção com a sensação que experimenta o personagem, também podemos sacar um duplo sentido em consonância com as imagens, que mostram que esse dia perfeito é completamente subjetivo, sendo um pesadelo para os que o vivem fora da influência da heroína. Anos depois, voltaria a incluí-la em The Raven (2003), seu álbum dedicado a Edgar Allan Poe.








Satellite of love

Também muitas vidas teve Satellite of Love, que foi a segunda faixa da cara B de Transformer, que, como não poderia ser de outra maneira, se escutava en Velvet Goldmine, o filme sobre o surgimento do glam rock que Todd Haynes dirigiu em 1998. Posteriormente se voltaria a escutar em filmes como Wonderland (2003, James Cox) ou Adventureland (2009, Greg Mottola) — nos que também se escutariam outros temas compostos por Lou Reed e popularizados por The Velvet Underground, como Pale blue eyes ou Here she comes now.
 My love is chemical

Desconheço se Lou Reed compôs esta canção exclusivamente para a trilha sonora de Noites de sol (White nights, 1985, Taylor Hackford), mos o fato é que só foi publicada na trilha do filme. O tema se integra de maneira diegética na película, quando Gregory Hines propõe a Mikhail Baryshnikov improvisar 11 piruetas por 11 rublos.

This magic moment

Composto originalmente por Doc Pomus e Mort Shuman, este tema foi popularizado em 1960 por B.B. King e The Drifters, cuja versão pode ser escutada na série Los Sopranos (1999-2007, David Chase). A versão interpretada por Lou Reed e publicada no álbum de homenagem Doc Pomus, Till the night is gong, seria incluída na trilha sonora de Estrada perdida, (Lost Highway, 1997). E é quase igual a de Julian Schnabel, David Lynch também foi pintor antes de cineasta e é capaz de assimilar influências de muitas diferentes disciplinas artísticas. Envolvido no desenho de som de quase todas seus filmes, assim como na composição de muitos dos temas de suas trilhas sonoras, me atrevo a afirmar que é um dos cineastas que primeiro souberam integrar músicas a seus filmes para dotar a suas imagens de uma dimensão mais profunda e emocional.
 Egg cream

As correspondências artísticas se misturam de novo em um projeto cinematográfico que surgiu da colaboração entre o cineasta Wayne Wang e o escritor Paul Auster. Se a desculpa foi Smoke (1995 Wayne Wang), adaptação livre de um conto de Natal do romancista publicado em um jornal, Blue in the face (1995, Wayne Wang & Paul Auster) se materializaria como uma extensão muito mais livre e selvagem daquela colaboração, que não só incluía este tema de Lou Reed, que seria posteriormente editado em seu álbum de 1996, Set the Twilight Reeling, se não que o próprio cantor realizava uma participação no filme na qual refletia sobre várias questões relacionadas com sua cidade.

Berlin after the wall

Se Lou Reed sempre manteve uma relação muito estreita com Berlin, um dos cineastas mais influenciados por sua música foi o alemão Wim Wenders. Filmes como Até o fim do mundo (Bis ans Ende der Welt, 1991), The Million Dollar Hotel (2000) o Palermo Shooting (2008), incluem temas compostos e interpretados pelo artista estadunidense, legando a aparecer ele mesmo em Tão longe, tão perto! (In weirte Ferne, so nah!, 1993), ganhadora do Grande Prêmio do Jurado em Cannes e sequela da mítica O céu sobre Berlin (Der Himmel über Berlin, 1987).



Tradução e adaptação: Antrocine
originalmente publicado em: http://www.400films.com/blog/2013/09/lou-reed-en-el-cine