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domingo, 29 de abril de 2012

"A saliva é o suor das palavras não ditas"

para intelectual de Praia

O BEIJO CINEMATOGRÁFICO

Por Rodrigo Gerace*
Breve panorama do beijo na sétima arte. Desejo, pacto, amizade, romantismo, sublimação sexual, metáfora política. Os sentidos do beijo em diferentes filmes e contextos históricos. Dos beijos silenciosos aos beijos proibidos, do glamour hollywoodiano ao beijo maldito do cinema marginal, do romantismo clássico à violência contemporânea.



“Até parece beijo de cinema”. Quando ouvimos essa expressão, tudo indica que há algo de extraordinário neste beijo, diferente daquele cotidiano, dado fora das telas. Como o cinema estiliza a vida, a narrativa fílmica intensifica o beijo, tornando-o mais fantasmático, distante da realidade. Com ele, o mundo dos amantes se funde, o tempo pára, a fantasia aporta, os fetiches surgem. “O beijo cinematográfico é o beijo que faz os sinos tocarem, a sinfonia de fundo atingir seu clímax. Esse beijo prova que a paixão, que apenas se supunha, realmente existe, que o amor que o casal sentia era mesmo real” – salienta Luiz Nazario, escritor e professor de história do cinema da UFMG.

O beijo carrega consigo uma “confissão de verdade”, uma visibilidade indisfarçável. Pois até mesmo um beijo fake ou técnico, como dizem os atores, traz à cena certo realismo associado à “noção de ritualidade, de estetização da cena, para quem experimenta ou testemunha a situação”, pontua Mauro Pommer, da UFSC. Nesse sentido é que o beijo potencializa não apenas o voyeurismo, mas também a cumplicidade do espectador diante das intimidades alheias, ampliadas na tela grande da sala de cinema.

O close up do beijo não aumenta apenas seu tamanho, como também permite acesso a detalhes íntimos da cena, entregando unicamente ao espectador informações emotivas dos personagens, como tensão, excitação, medo, paranóia, repulsa. Uma pequena mordida no lábio ou um beijo tenso, com pálpebra arregalada, como a de Nicole Kidman em De olhos bem fechados (1999), de Kubrick, dá pistas de que há algo disfuncional naquele casamento, cujo marido, mais tarde, se entregará, sem sucesso - a orgias secretas.

Desde o primeiro cinema, convencionou-se que o tocar entre lábios simboliza um momento romântico de prazer, de amizade, de clímax, como no happy end de alguns melodramas, onde “o beijo, mais que ato de erotismo, passou a representar a noção de pacto dos amantes – aquilo que os une entre si, e os separa do restante das pessoas”, diz Pommer. No cinema clássico, apesar do final feliz, comenta Nazario, “o casal não se formava imediatamente. Inicialmente, há apenas uma atração irresistível. Pouco a pouco essa atração se transforma em amor, mas esse amor não se consuma senão no beijo final. Os personagens são colocados diante dos maiores obstáculos, mal-entendidos, aventuras, horrores, de modo que parece a todos que a coisa mais difícil do mundo é um homem conseguir beijar uma mulher. Talvez para muita gente isso seja uma realidade, mas o interessante no cinema clássico é que esses homens e mulheres que tentavam se beijar – e que só o conseguiam depois de dias, meses, anos, de tentativas fracassadas que duravam o filme inteiro –, eram pessoas adultas, vividas, maduras. Há uma virgindade anacrônica nos heróis adultos dos velhos filmes de Hollywood que os torna fascinantes”.

Assim, o sentido do beijo cinematográfico não se esgota no próprio ato, pois traz simbolismos cambiáveis com o status tecnológico, ideológico e sexual de cada época ou mesmo de cada filme. Para Pommer, a imagem isolada de um beijo tende a se esvaziar se não estiver contextualizada. “O que efetivamente conta em termos de uma atuação da cena sobre a sensibilidade do espectador são as circunstâncias cercando o evento do beijo. A erotização da cena é, portanto, um fenômeno sempre relativo. Pouca coisa pode às vezes significar bastante”. Pois mesmo a ausência ou o adiamento do beijo pode insinuar um beijo imaginário que fica reiterando na mente do público que espera pelo beijo final nos melodramas, pelo beijo- mordida nos filmes de vampiro ou pelo beijo excitante nos filmes eróticos.

OS PRIMEIROS BEIJOS

The Kiss (1896), curta-metragem de William Heise e distribuído por Thomas Edison, é considerado como o primeiro beijo exibido ao público. Ele mostra um casal de meia-idade, os atores John Rice e May Irwin, que se beijam timidamente, mas com certo prazer no semblante. O ato mostrou-se bem ousado para a época puritana: primeiro pelo tabu do beijo, depois pelo posicionamento incomum da câmera que, em close, capturava aquele gesto íntimo. Até então, a tradição fílmica orientava que a câmera registrasse, como no teatro, todo o corpo dos atores, em plano aberto. A cena, isolada de seu contexto dramático (foi retirada da peça The Widow Jones) e pelo enquadramento fechado, tornou-se obscena ao público, aquele mesmo que aplaudiu os atores na cena teatral. Imerso em um “cinema de atrações”, o curta codificou um imaginário exibicionista: o encontro dos lábios era como um flagra sexual proposital.

O filme foi denunciado como pornográfico por membros da igreja católica e considerado indecente por alguns críticos, como Herbert Stone, que, num editorial de junho de 1896, em Chicago, clamou pela polícia, alegando que a obra era de extremo mau gosto, repugnante. Dizia ainda que “nenhum dos intérpretes era particularmente atraente... No tamanho real, o beijo já era tosco, mas nada comparado ao efeito do ato aumentado em proporções gigantescas e repetido três vezes consecutivas. Todo o charme da Miss Irwin desapareceu, transformando sua arte em algo indecente e de uma vulgaridade prodigiosa... Fatos assim demandam intervenção da polícia”. Contudo, conforme comentou Nazario, “The Kiss foi apenas um susto passageiro, como o trem dos Irmãos Lumière ‘atropelando’ os espectadores das primeiras sessões do cinema. Quatro anos depois, Edison fez um remake de The Kiss com um casal de atores mais jovens, bonitos e esbeltos, e este beijo de 1900, até mais longo e erótico que o primeiro, não causou nenhum escândalo”.

Outro filme, produzido no final do século XIX, retificou o beijo como algo íntimo e privado. The Kiss in the tunnel (1899), de George Albert Smith, revelou beijos audaciosos dentro do vagão-leito de um trem que adentrava em um escuro túnel. Hoje, a série de selinhos em ambos os curtas parece insossa, mas, na época, causou tanto frisson no público que John Rice chegou a oferecer aulas e demonstrações de beijos nos vaudevilles.

Neste primeiro cinema, as cenas de beijo davam pistas para se reconhecer e desejar os corpos em sua intimidade exposta na tela. Ao mesmo tempo em que a câmera estruturava sua linguagem própria numa narrativa ficcional ilusória, ela também descortinava a vida, mostrando tudo o que existia e ainda tudo o que não existia e não era revelado ao público: nudez, beijos, sexo. Por sinal, a ambição de tudo exibir será a característica mais marcante dos stag films, os filmes pornográficos mudos.

No início do século XX os beijos passaram a ser menos ingênuos, evocando erotismo e sedução. Theda Bara, a vamp do cinema mudo, instigava seus parceiros exclamando: “Kiss me, my fool!”, levando-os à sedução fatal. Cineastas renomados como Cecil B. De Mille, Erich Von Stroheim e David W. Griffith projetaram beijos em imagens ousadas. Em Griffith, os beijos na boca, inclusive entre pessoas do mesmo sexo, eram dados como prova de amizade e de amor puro. Chaplin mostrava, em 1916, um atrapalhado beijo gay em Behind The Screen.

Algumas produções traziam tantos beijos que chegaram a ser cronometrados. No longa de Alan Crosland, Don Juan (1926), o ator John Barrymore beijou mais de 127 vezes os lábios de Mary Astor e Estelle Taylor, isso sem contar as “bitocas” nas demais atrizes, totalizando 191 beijos e um beijo a cada 53 segundos. Outros beijos tornaram-se marcantes pela intensidade: o beijo entre John Barrymore e Dolores Costello no final de A Fera do Mar (1925), de Millard Webb, fez a atriz desmaiar, saturada após quatro longos takes repetidos do beijo. Houve também o encontro fatal entre Greta Garbo e John Gilbert em A carne e o diabo (1927), de Clarence Brown, que materializou o primeiro beijo na horizontal, com o casal deitado. Em Aurora (1927), de Murnau, o beijo apaixonado dos amantes os enleva ao atravessarem a rua, sem olhar para os lados, fazendo o trânsito parar num caos de veículos em torno deles. O drama Asas (1927), de William Wellman, mostrava o envolvimento trágico entre os amigos Jack Powell e David Armstrong, pilotos durante a Primeira Guerra Mundial. No clímax, na ocasião do ferimento de um deles, dizem: “Você sabe que não há nada no mundo tão significante pra mim quanto a sua amizade”. O outro: “Eu sempre soube disso. Todo o tempo...” E selam a confissão com um beijo na boca. A ambigüidade sexual aparecia nas personagens de Marlene Dietrich em Marrocos (1930), de Sternberg, e Greta Garbo em Rainha Cristina (1933), de Mamoulian, e O Véu Pintado (1934), de Boleslawski – filmes nos quais as duas maiores divas do cinema beijavam livremente suas admiradoras.

BEIJOS PROIBIDOS

Por conta do erotismo explícito, nos anos de 1920-30, Hollywood era considerada pela opinião pública como a “cidade do pecado”, não apenas pelas tramas sexualizadas, mas também pelos bastidores e wild parties que envolviam escândalos entre as celebridades. Desde então, grupos conservadores clamaram por “decência no cinema”, levando ao estabelecimento do Código de Produção (ou Código Hays), que passou a controlar de 1934 a 1968, dentro dos estúdios, as imagens do obsceno. Cenas de conteúdo sexual e de impacto foram proibidas (sexo, crime, parto, aborto, violência, suicídio, prostituição, contrabando, violação da lei, subversão da família e da igreja, etc). Acordos foram firmados com igrejas de diversos credos, todas entusiasmadas com a repressão ao cinema.

O sexo assumiu então a forma perversa do tabu. Como toda censura que se faz por meios negativos, ela se revelou ambígua: o cinema sexualizou-se ainda mais, só que por meios simbólicos, gerando todo um imaginário romântico, de sublimação sexual. Era praticamente uma autocensura que começava desde o desenvolvimento dos roteiros até a filmagem das cenas. Beijos “selinhos” estavam liberados, desde que limitados a 25 segundos. Beijos longos e apaixonados eram vetados. Beijo de língua nem pensar. “O beijo na boca de língua é proibido. Não se deve mostrar beijos, abraços demasiados apaixonados, poses e gestos sugestivos. Cenas de paixão não devem ser introduzidas se não forem absolutamente essenciais à intriga. A paixão deverá ser tratada de forma a não estimular as emoções mais básicas. Nunca se deve mostrá-las de maneira explícita” – dizia o Código.

Vários cineastas souberam driblar a censura, projetando beijos que insinuavam outros sentidos: um beijo no final da trama era mais que um happy end, às vezes selava um pacto político ou aludia a um coito sexual, cuja visibilidade era proibida. Até mesmo uma cena sem beijos tornava-se marcante, como a de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman se despedindo em Casablanca (1942), de Michael Curtiz, que entrega a fantasia do beijo à imaginação do espectador. Assim, ao mesmo tempo em que as restrições do código reprimiam a explicitação do desejo, estimulavam ainda mais a imaginação erótica. Como no beijo roubado em E o Vento Levou (1939); no beijo “excessivo” de 3 minutos e 5 segundos em You’re in the Army now (1940); no beijo gigantesco entre Elizabeth Taylor e Montgomery Clift em Um Lugar ao Sol (1951); ou no beijo molhado em A um passo da eternidade (1953), em que Deborah Kerr, nos braços de Burt Lancaster, rolava seminua na praia, em um “orgasmo” constante, estimulado pelo vai-e-vem das ondas.


A genialidade de Alfred Hitchcock soube contornar com maestria as limitações do Código, criando uma gramática de sublimação do sexo. Para Pommer, “a impossibilidade de representação visual do ato sexual, ou mesmo (de) cenas de beijos apaixonados, levou a uma erotização do conteúdo dos diálogos, trabalhando com subentendidos”, como no “célebre plano-seqüência de Interlúdio (1946), onde Cary Grant segue beijando Ingrid Bergman da sacada do apartamento até a sala, enquanto caminham abraçados”. Em Ladrão de Casaca (1955), a sedutora personagem de Grace Kelly, depois de se aventurar com o amante, vivido por Cary Grant, inicia uma seqüência de beijos acompanhada por fogos de artifício, um “orgasmo” compensatório. Em Intriga Internacional (1959), os recém-casados se beijam ardentemente dentro de um vagão até que o trem penetra rapidamente dentro de um túnel e o filme acaba. Na imaginação do espectador, o beijo prossegue...e já se sabe a próxima cena. Como não podia mostrar beijo gay, Hitchcock sublimou a relação homoerótica entre os protagonistas de Festim Diabólico (1948) por meio de diálogos íntimos e pelo assassinato do amigo causado por ciúmes.

A repressão do beijo foi bem representada pelo diretor Giuseppe Tornatore no filme Cinema paradiso (1989). Na trama, o personagem do padre Adelfio é como os olhos da censura: ele assiste previamente os filmes que aportam na cidade, obrigando o projecionista a cortar todas as cenas de beijo. Como bom cinéfilo, o projecionista arquiva as cenas mutiladas e, somente no final, é que descobrimos a maratona de beijos proibidos.

Pela sublimação do sexo, este cinema clássico evocava uma aura de glamour. Os personagens expressavam seus desejos eróticos por meio de atos comuns, mas simbólicos, como uma mão trêmula, um lábio semi aberto, uma cama de casal revirada, um roçar de pernas, um beijo ao pé do ouvido. A mulher era divinizada no star system. “Não se podia mostrar uma estrela desgrenhada, sem maquiagem, mal iluminada. O desejo despertado pela diva era consumado apenas no beijo na boca, que sublimava a penetração sexual, de modo que até esse ato sujo de secreções e viscosidades era limpo e asseado” – comenta Nazario.

O BEIJO UNDERGROUND

Apesar de a repressão ter estimulado a criação de um universo que, por sua natureza anti-realista, favorecia a fantasia erótica, a trajetória do beijo no cinema underground (anos 50 a 70) foi diferente, mais explícita e menos reprimida. As tramas exaltavam o desejo, livre dos padrões sociais e das tradições cinematográficas hegemônicas. No Brasil, mesmo com a navalha da Ditadura, beijos erotizados rolavam soltos nas pornochanchadas e também no cinema marginal que, durante os anos 60 e 70, produziu dezenas de filmes na chamada Boca do Lixo.

No underground, o beijo passou a identificar a realização do desejo através do prazer em si mesmo. Cineastas como Cocteau, Jean Genet, Markopoulos, Kenneth Anger, Jack Smith e Paul Morrissey projetaram imagens sensoriais de beijos, coitos e excitações sob a perspectiva do êxtase e da liberdade sexual, cuja estilística influenciaria toda uma geração, de Pasolini à Derek Jarman, de John Waters à Almodóvar, de Gregg Araki à Bruce LaBruce. Quem levou aos limites a transgressão estética do desejo foi Andy Warhol. Mergulhado na contracultura dos anos 60, o artista capturou sua época: da mass media ao underground, do cultmovie ao trash, do glamour hollywoodiano à pornografia, da televisão à intelectualidade, das fofocas às vanguardas. Warhol registrava e erotizava tudo ao seu redor: entre 1963 e 1972, registrou em 16mm centenas de metros de filmes insólitos, subversivos e experimentais que capturavam a performance do corpo no cotidiano, que teatralizavam a vida de modo camp. Seus filmes tinham roteiros simplórios, abordavam a intimidade das pessoas: o ato de acordar, conversar, brigar, excitar-se, transar. Em um deles, Kiss (1968), Warhol registrou 55 minutos com diversos casais se beijando durante 3 minutos e meio cada um deles, criando uma iconoclastia do beijo, além de uma paródia ao beijo hollywoodiano durante a censura.

No cinema marginal, cineastas como Rogério Sganzerla, Julio Bressane, Ozualdo Candeias, entre outros, teceram fantasias eróticas em filmes politicamente outsiders, trágicos. Sem muito glamour, este cinema deflagrava a realidade política de modo anti-romântico. A musa do cinema marginal, Helena Ignez, declarou que praticamente não havia beijo apaixonado. Em sua personagem Angela Carne Osso, em A Mulher de Todos (1969), de Sganzerla, havia forte atração sexual, mas sempre sem beijos. “Dentadas e queimaduras de charutos, ponta pé, traição, forte sexualidade. O carinho do beijo não existia nos personagens”. Em Bressane, particularmente Cara a Cara (1967), “a sexualidade era angustiada e mortal, também sem beijos. A morte do amor, isto é, do meu personagem”. E mesmo a femme fatale Janete Jane, de O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Sganzerla, é morta, e sem beijos.

A NOVELA DO BEIJO GAY

Embora o underground tenha dado maior vazão ao beijo gay/lésbico, o cinema mainstream o abordou por meio de insinuações veladas e representações melancólicas sem finais felizes, mascarando-o em sua complexidade afetiva e sexual, em filmes pioneiros como Diferente dos outros (1919), de Richard Oswald; Mikael (1924), de Carl Dreyer; Sexo na cadeia (1928), de Dieterle; Lot in Sodom (1933), de James Watson e Melville Webber; e Mulheres de uniforme (1931), de Leontine Sagan e Carl Froelich.

No cinema europeu, de Pasolini a Visconti, de Fellini a Bergman, os personagens gays tinham fins tristes, solitários. Após os anos setenta é que ocorre uma abertura mundial: Rosa von Praunheim filma Não é o homossexual que é perverso, mas a sociedade em que ele vive (1971) repleto de beijos entre barbudos; Arthur Hiller mostra em close um beijo entre homens casados, mas infelizes com as esposas, em Making Love (1982); Fassbinder estiliza um romance sadomasoquista em Querelle (1982); a feminista Barbara Hammer registra beijos e afetos entre mulheres mais velhas em Nitrate Kisses (1992); David Lynch projeta um beijo paranóico entre as personagens de Cidade dos Sonhos (2001); cineastas indies, como Lukas Moodysson, filmam descobertas sexuais iniciadas com o rito do primeiro beijo; o argentino Plata Quemada (2000) revela um beijo gay à beira da morte; Almodóvar problematiza a identidade em A lei do desejo (1987), a começar pelo beijo, quando, já na cena inicial, um rapaz excitado beija a si mesmo no espelho; Milk (2008), de Gus Van Sant, torna política a visibilidade do beijo; e o oscarizado Brokeback Mountain (2005), de Ang Lee, leva ao grande público o explosivo beijo dos cowboys apaixonados.

No cinema nacional, a partir dos anos noventa, o personagem homossexual livrou-se um pouco do estigma estereotipado das pornochanchadas, comumente associado à piada, à delinqüência e ao medíocre, conforme notou Antonio Moreno, autor do livro A personagem homossexual no cinema brasileiro (2001) e professor de cinema da UFF-RJ. “A questão (da abordagem gay) passa muito pelo contexto da época em que os filmes foram realizados. Você vai verificar muita recusa de beijos na tela ou de representações mais no sentido de chocar violentamente a platéia, principalmente nos filmes com cenas de lesbianismo (Noite Vazia, 1964, Walter Hugo Khouri). O que distancia muito do sentido do beijo como verdadeira manifestação de afeto explicitado numa cena fílmica, na tela do cinema. Além do beijo relâmpago no final de O Menino e o Vento (1966), de Carlos Hugo Christensen, só lembro de um beijo realmente escrachado, sem concessões entre Tunico Pereira e Anselmo Vasconcelos, atores realmente ecléticos, maravilhosos, em República dos Assassinos (1979), de Miguel Faria Jr.”

Desde então, diversos beijos apareceram em Amores possíveis (2001), de Sandra Werneck; Madame satã (2002), de Karim Aïnouz; A Concepção (2005), de José Eduardo Belmonte; Onde Andará Dulce Veiga? (2007), de Guilherme de Almeida Prado; A festa da menina morta (2008), de Matheus Nachtergaele; Do começo ao fim (2009), de José Aluízio Abrantes; Como Esquecer (2010), de Malu de Martino; Os 3 (2011), de Nando Olival; sem contar as produções independentes lançadas em festivais LGBT.

FINAL SEM BEIJO

Se, no primeiro cinema, um tímido beijo era tido como pornográfico, hoje ele é mero assunto “sessão da tarde”, não provoca frisson. O cinema-explícito contemporâneo estiliza friamente o beijo e o sexo em filmes de Lars von Trier, Michael Haneke, Gaspar Noé, Michael Winterbottom, Bruno Dumont, Virginie Despentes, Larry Clark, Patrice Chéreau, Catherine Breillat, John Cameron Mitchell, entre outros.

O beijo cinematográfico perdeu sua aura romântica para a estilização realista do sexo, tanto que na obra dos cineastas acima o sexo aparece explícito e, ainda que com propósitos dramáticos, carece de afeto, beijos ou romantismo. Geralmente o carinho do beijo, no cinema indie atual, quando aparece, tem sua representação associada à violência (estupros, crimes), à escatologia e à agressividade. Para o cineasta underground canadense Bruce LaBruce, “a urgência sexual foi transformada num apetite voraz por violência e carnificina. O que a cultura fez para substituir a vontade de sexo explícito foi difundir largamente imagens de violência explícita. Marcuse chamou isso de ‘sublimação repressiva’. Neste sentido, a violência, e por extensão a morte, é a nova pornografia”. E, convenhamos, quase não há beijos na pornografia.

Tal como a sociedade contemporânea, parece que são mais marcantes as cenas violentas de nosso cinema do que as raras cenas românticas. Ou você se recorda de um beijo inesquecível no cinema atual? Em alguns países islâmicos e orientais, o beijo ainda é tido como obsceno, tabu. Na Índia, o recente filme Dunno Y... Na Jaane Kyun (2010), de Sanjay Sharma, em que os atores Kapil Sharma e Yuvraaj têm uma relação afetiva, sofreu protesto e censura, levando críticos, políticos e religiosos a clamarem por uma “censura bollywoodiana” às cenas de sexo. No caso, consideraram como “sexo” a cena de beijo entre os personagens. O beijo foi tão polêmico que o ator Yuvraj foi deserdado pela família. Até mesmo o Oscar deste ano lapidou, por segundos antecipados, a transmissão do selinho entre Javier Bardem e Josh Brolin durante a apresentação. Algumas emissoras também censuraram o beijo gay em um dos episódios de Os Simpsons. O beijo no cenário contemporâneo é assim esquizofrênico, ora estimulado ora reprimido, ora histérico ora vazio de sentido, ora associado ao amor e à intimidade ora gratuito e público, distribuído por pessoas com placas nas ruas. Tudo indica que os beijos clássicos eram mais cinematográficos.

* Versão integral do artigo originalmente publicado na Revista da Livraria Cultura (matéria de capa), em Dezembro de 2011.

sábado, 28 de abril de 2012

Nós somos contituídos pelas imagens que nós vemos

1˚ de Maio 2012: Três Curtas que merecem ser vistos
A seguir três filmes convocatórias para o 1˚ de Maio 2012 em Istambul (Turquia), Setúbal (Portugal) e Campinas (Brasil) que merecem ser vistos.
Istambul:
Setúbal:

Campinas:
  
agência de notícias anarquistas-ana
brisa suave:
voejam borboletas
por todo jardim

Simpósio aprovado no III CONGRESO LATINOAMERICANO DE ANTROPOLOGIA, ALA 2012 !!

RUMBO A CHILE, "Hasta Pronto" y ADELANTE!!!


III Congreso Latinoamericano de Antropología
Antropologías en Movimiento
Ideas desde un sur contemporáneo
Santiago (Congreso Central) y Temuco (reuniones post - congreso) del 5 al 9 de noviembre de 2012. 

Estimado(a)(s) Coordinador(a)(es):
Es de nuestro agrado indicar que hemos aprobado su Simposio: Antropologia Audiovisual & Antropologia do Cinema: olhares cruzados e conexões possíveis

La página web el Simposio es la siguiente:

Chamada de resumos/ Llamada de resúmenes / Call  for summaries/ Appel de résumes

Procedimiento para Inscripción de Ponencias 1. (Espanhol)

Para presentar una ponencia (paper) el expositor debe enviar un email al coordinador del Simposio
1.1. El plazo máximo de presentación de ponencias es el 14 de julio de 2012.
2. En nuestro simposio acepto (http://uchile.cl/sn81101) se encuentra el email del Coordinador respectivo.
3. La información necesaria para postular una ponencia es: título de la ponencia, resumen de 300 palabras, 5 palabras claves, nombre del expositor (expositores) y breve presentación (de cada uno de ellos) que contenga grado académico, universidad o lugar de trabajo, publicaciones, investigaciones o cualquier información para evaluar su currículo que el postulante estime conveniente.
3.1. Se aceptará un máximo de dos ponencias por expositor.
3.2. Sólo se entregará un certificado a la persona que efectivamente asista al congreso.
4. Se entiende que una ponencia está aceptada cuando:
4.1. El coordinador del simposio acepta la propuesta.
4.2. Aparece publicada en la página web del Congreso.
4.3. El expositor recibe una carta de aceptación de parte del Comité Organizador del Congreso.
5. El expositor sólo debe comunicarse con el coordinador del simposio y, en caso de problemas, escribirá al Comité Organizador del Congreso.
6. El coordinador de simposio comunicará al Comité Organizador sobre las ponencias aceptadas por él (ella), así como toda la información necesaria para publicarla en la página web de su simposio. El Comité Académico evaluará la información y supervisará la calidad de la propuesta.

 Procedimento para Inscrição de Artigos. (Português)

Para apresentar um artigo (paper) o expositor debe enviar um email aos coordenadores do Simpósio

1.1. O prazo máximo de apresentação de artigos é 14 de julho de 2012.

2. No nosso simpósio aprovado (http://uchile.cl/sn81101) se encontra o email dos Coordenadores respectivos.

3. A informação necessária para postular um artigo é: título do artigo, resumo de 300 palavras, 5 palavras chaves, nome do expositor (ou expositores) e breve apresentação (de cada um deles) que contenha grau acadêmico, universidade ou local de trabalho, publicações, pesquisas ou qualquer informação para evaliar seu currículo que o postulante estime conveniente.

3.1. Se aceitará um máximo de dois artigos por expositor.

3.2. Só se entregará um certificado a pessoa que efetivamente participe do congresso.

4. Se entende que um atigo está aceita quando:

4.1. O coordenador do simpósio aceita a proposta.

4.2. Apareça publicada na página web do Congresso.

4.3. O expositor receba uma carta de aceite da parte do Comitê Organizador do Congresso.

5. O expositor só deve comunicar-se com o coordenador do simpósio, em caso de problemas, escreverá ao Comitê Organizador do Congresso.

6. O coordenador do simpósio comunicará ao Comitê Organizador sobre os artigos aceitos por ele (ela), assim como toda a informação necessáaria para publicar-la na página web de seu simpósio. O Comitê Acadêmico avaliará a informação e supervisionará a qualidade da proposta.

Postagem relacionada

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Cá já passaram mais de 10.000

Hoje o nosso Blog completou o fantástico número de 10.000 visualizações. 

Para comemorar, além de compartilhar isto com voçê, desejamos Vida Longa e Prósperaao nosso Antro do Cinema...

Lembrando que ele ainda é um bebê, que aos poucos o bebAntro com seus quase quatro meses de vida, ainda nem engatinha direito...Mas já começa, suas aventuras nas visualizações e descobertas do mundo sensível e sensorial que o circunda.

Fica para a história que o Blog já foi visualizado da Alemanha, Angola, Arábia Saudita, Argentina, Bélgica, Bolívia, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Croácia, Equador, Espanha, Estados Unidos, Filipinas, França, Gana, Guiné Bissau,  Grécia, Holanda, Honduras, Índia, Itália, Israel, Indonésia, Japão, México, Moçambique, Nicarágua, Nova Zelândia,  Panamá, Polônia, Portugal, Porto Rico,  Reino Unido, República Dominicana, São Tomé e Príncipe, Rússia, Suécia, Tailândia,  Turquia, Ucrânia, Uruguai e Venezuela.. 
 Muchas Gracias!!!
e QUE  a Primeira Comunidade em Antropologia do Cinema da América do Sul, já ultrapasse os 100 participantes em tão pouco tempo, demonstrando ser uma demanda mais que reprimida.


E libertemos o grito da garganta: UUUURRRAAAA, Tá Valendo!!!
Que Exu continue abrindo nossos caminhos, e Akê Arô (Oxóssi), nos traga sempre de suas caçadas as novas idéias.
Esperemos que estes números não tenham sido em vão...

 A@s amig@s que nos mandaram contribuições e sugestões reiteramos a felicidade da parceria na construcão Coletiva: Sem voçês não existiríamos!

Saludos afetuosos y 
a bientôt!

gRUPO nOVE  y  ANTROcine

terça-feira, 24 de abril de 2012

Sombras chinesas e Cinema

Para o Vento...

Je vous quitte
Vous me laissant
Nous avons chanté notre chanson
Et nous avons choisi de rouler sur
Bien que cet amour ne se fane jamais
Il est temps d'oublier la route que nous n'avons jamais voyagé


I am leaving you
You are leaving me
We've sung our song
And we chose to roll on
Although this love never fades
It's time to forget the road we never traveled along

Chamada para artigos Revista Baleia na Rede

BALEIA NA REDE 2012
Chamada para artigos 
Prezados colegas, pesquisadores e colaboradores

A Revista Eletrônica Baleia na Rede, ISSN 1808-8473, está recebendo colaborações para a publicação do seu 9º número (volumes 1 e 2) até 31 de julho de 2012.

 Assista a este Clássico e Inspirador Filme Brasileiro de Nelson Pereira dos Santos realizado em 1963(completo):

 
Baleia, cujo nome homenageia a maravilhosa cadela de Vidas Secas, foi criada pelo Grupo de Pesquisa em Cinema e Literatura da FFC/UNESP, em 2003, com a intenção de debater a relação entre arte e sociedade. Concordando com a tese de que nas manifestações artísticas encontramos um discurso social que traduz um tempo histórico, recebemos para análise trabalhos de caráter acadêmico científico que tratem de cinema, literatura, música, pintura, fotografia, artes plásticas, artes visuais e virtuais, dança, teatro e suas relações com a vida social, política, histórica e/ou simbólica.

Os interessados devem enviar seus artigos para o e-mail baleia2010@uol.com.br

As normas para publicação estão disponíveis no seguinte endereço:

Saudações acadêmicas,
Célia Tolentino e Elisângela Silva Santos
Editoras

segunda-feira, 23 de abril de 2012

O ensino de Cinema no Mundo

Cinema além das fronteiras...

A propósito da nossa necessidade de aprofundar os nossos conhecimentos e se colocar em contato com outras realidades do ensino do cinema, foi-me dado a conhecer o seguinte endereço eletrônico relativo ao Grupo Comunicar (colectico de educación e comunicación): http://www.uhu.es/comunicar/index.html. Daqui podemos ir diretamente à revista acionando o respectivo link, ou também através de: http://www.revistacomunicar.com/. O número 29 tem artigos interessantíssimos sobre o ensino do cinema nos sistemas educativos Inglês, Francês, Espanhol, Italiano, além de outros. Podemos nos registar, e assim ter acesso gratuito às revistas.

Mas também podemos navegar até às páginas do Professor Enrique Martínez-Salanova Sánchez (http://www.uhu.es/cine.educacion/) sobre Cinema e Educação onde encontramos uma tal quantidade e qualidade de informação que corremos o risco de passar muitas noites em claro para conseguir absorver tudo.

Nem sempre conseguimos encontrar imediatamente na net aquela informação que nos agrada, mas esta é sem dúvida fundamental para o desenvolvimento e aprofundamento do nosso trabalho.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

2º Festival de Cinema Anarquista de Barcelona

Acontece do dia 16 ao dia 19 de maio o 2º Festival de Cinema Anarquista de Barcelona. A programação do evento está praticamente fechada.
Mas ainda dá tempo de participar. Se você tem um filme, curta ou documentário, que gostaria de ver projetado no Festival envie uma sinopse do filme, registrando a duração e formato (VHS, DVD etc.) para: cineanarquistabcn@gmail.com.
A produção tem que abordar os anarquistas e o anarquismo, ou que tenha inspiração libertária ou que fale sobre lutas antiautoritárias ou que seja simplesmente anárquico.
Mais infos:
agência de notícias anarquistas-ana
Na noite em silêncio
o relógio presente
marca o passado

quinta-feira, 19 de abril de 2012

"Xingu": os povos originários e seus atores no Cinema

A volta do Brasil Grande que pensa pequeno

Ao contar o passado, pela epopéia dos Irmãos Villas Bôas, o filme “Xingu” ilumina o presente. E coloca a plateia diante de uma questão atual e incômoda: omissão também é protagonismo

ELIANE BRUM

Xingu, o filme de Cao Hamburger, conta a saga dos três irmãos Villas Bôas em seu confronto com o Brasil que não sabia que era Brasil. Nos anos 1940, Orlando (Felipe Camargo), 27 anos, Cláudio (João Miguel), 25, e Leonardo (Caio Blat), 23, mentiram que eram analfabetos sem profissão para se alistar na Expedição Roncador-Xingu, que desbravaria o centro do país. O que acontece a partir do momento em que três jovens de classe média partem em busca de aventura e encontram de forma brutal não só uma outra civilização, mas também a si mesmos, é História. E, infelizmente, uma história que vai sendo esquecida.

Mas, ao iluminar o passado, Xingu, o filme, ilumina Xingu, a vida. E o ilumina para além do Parque Nacional do Xingu, o grande feito dos Irmãos Villas Bôas, consumado em 1961. Ilumina com verdades suficientes para questionar a plateia em outras verdades: por que permitimos, pela omissão da maioria, que a faraônica obra de Belo Monte – aqui, agora – destrua uma das maiores riquezas culturais e biológicas do planeta? Por que, em um governo dito popular, se reedita o autoritarismo para impor um elefante branco da democracia, com a nossa cumplicidade? A plateia que assiste ao filme precisa responder, ao deixar a sala de cinema, a uma pergunta bem incômoda: por que, na vida, não consegue deixar de ser plateia.

 O filme termina quando a Transamazônica começa a ser construída. Naquele momento, com uma imprensa censurada pela ditadura e um país dominado pelo ufanismo do “Brasil ame-o ou deixe-o”, do “Integrar para não Entregar”, do “Terra Sem Homens para Homens Sem Terra” talvez só Orlando e Cláudio Villas Bôas – além do governo militar e de seus apoiadores – eram capazes de compreender o que aconteceria quando a estrada rasgasse a selva e literalmente a encharcasse de sangue. Hoje, não. Nenhum de nós tem a desculpa de não saber o que já aconteceu. Nenhum de nós tem a desculpa de ignorar a destruição da floresta e a matança de gente, bicho, planta e cultura consumada no Brasil Grande da ditadura militar. Nenhum de nós tem a desculpa de ignorar a ocupação incompetente e a trilha de mortes que só faz aumentar. Não há desculpa para a ignorância do passado. E penso que não há desculpa para a omissão no presente, diante do futuro.

Quando a Transamazônica se desenhava na tela, era Belo Monte que estava bem ali. Assisti ao filme enxergando o presente, e não apenas o passado – e por isso saí do cinema devastada. Vi o passado enxergando o presente porque o passado tornou-se, de novo, presente. E é com esse presente que temos o desafio de lidar. Quando a Transamazônica foi imposta pela ditadura militar, boa parte dos vivos de hoje nem sequer tinha nascido ou ainda era criança, como eu. Agora, não. Estamos todos aqui.
Conhecer a Amazônia exige um movimento – e um desejo maior. Assistir ao filme é muito fácil. Se puderem, assistam ao Xingu e, na última cena, uma das mais belas do nosso cinema, se enfiem na pele de um dos Irmãos Villas Bôas e percebam que, querendo ou não, é diante desse olhar que nós todos estamos – agora.

Acho que este é o mérito dos grandes filmes: não permitir que nos instalemos no conforto eterno da poltrona de cinema. Tornar impossível o pensamento comodista de que aquilo não nos diz respeito – seja porque já aconteceu, seja porque é a dor de um outro muito diferente. Ou ainda porque não nos convém – e nos acreditamos a salvo. E aqui não se trata da arte utilitarista ou engajada, mas do fato de que os bons filmes, assim como a boa literatura, nos confrontam com pessoas complexas num mundo complexo – e não meros heróis em um mundo plano. Como quando Cláudio Villas Bôas diz, ao perceber que, salvando, ele também destrói: “Somos o veneno e o antídoto”. Ou: “Há uma coisa deles que morre pra sempre assim que a gente encosta”.  

É por acolher o conflito que os bons filmes, mesmo que nos contem de mundos e de gentes distantes, ecoam na vida de todos nós. Pescam nossos demônios internos e os fazem dançar diante dos nossos olhos. Os bons filmes, como os bons livros, nos transtornam por dentro, mesmo que ninguém fique sabendo porque só a nós diz respeito; e nos transtornam de dentro para fora, como neste caso, ao percebermos que a omissão também é um tipo de protagonismo. Os bons filmes são como os bons governos: acolhem o conflito e dialogam com o contraditório. Os maus filmes são como os maus governos: calam os conflitos e chamam o contraditório de “fantasia”. Xingu é um bom filme.

Os realizadores de Xingu já tinham deixado explícita a intenção de, ao contar a epopeia histórica dos Irmãos Villas Bôas, criar uma oportunidade para pensar sobre os dilemas do Brasil atual. “Se o filme conseguir trazer a história desses caras para uma discussão do futuro e do presente seria muito legal. Apesar de ser um filme de época, é muito contemporâneo. Uma das coisas que me encantaram nessa história foi essa possibilidade de discutir coisas contemporâneas contando uma história do século passado”, disse à imprensa Cao Hamburger, o diretor, durante o lançamento do filme. E, em outro momento: “A ideia é que a gente repense a maneira como somos. O que é o progresso hoje? Que crescimento a gente quer?”.

Também os atores, ao viverem o Xingu para encenar o Xingu, confrontaram-se com os conflitos vividos por seus personagens – mas também os incorporaram como cidadãos diante da experiência para além da filmagem. “Os Villas Bôas fizeram uma previsão: que o encontro (entre brancos e índios) era inevitável e a civilização ia chegar à fronteira do rio. E eles chamavam isso de ‘abraço da morte’. De avião a gente vê claramente a devastação ao redor. Então esse ‘abraço da morte’ chegou”, contou Caio Blat. “Não teve um dia de filmagem que não vimos fumaça de queimada. Até o set queimou, a equipe toda ajudou a apagar o fogo. E isso acontece sempre: aconteceu quando filmamos, aconteceu no ano passado, vai acontecer este ano de novo”, afirmou Felipe Camargo. “A ecologia não pode mais ser vista como uma coisa bonitinha, ‘vamos preservar a natureza’. Não: vamos preservar a nossa vida.”

Ao refletir sobre a experiência de filmar Xingu no Xingu, Cao Hamburger declarou: “Considero que essa cultura e essa filosofia de vida deles não estão paradas no tempo, elas estão em desenvolvimento, como a nossa. O que está me interessando muito é o que nós podemos aprender com essa cultura. O Brasil tem um tesouro que faz questão de esconder e desprezar, e está perdendo a oportunidade de absorver e aprender com eles. A cultura deles é muito rica, muito sofisticada, e o Brasil tem muito a ganhar”.

O cineasta Fernando Meirelles, produtor do Xingu, foi contundente em suas afirmações ao longo da série de entrevistas sobre o filme: “O que eu acho que vale ressaltar do filme é como ele é atual. Vindo para cá, eu li no jornal que o Megaron Txucarramãe, que era coordenador da Funai no norte do Mato Grosso, tinha sido demitido porque tem uma posição contrária a Belo Monte (outubro de 2011). É a história do filme, da Transamazônica, se repetindo. O filme não poderia ser mais atual, nesse momento em que Belo Monte e o Código Florestal são assuntos muito fortes”. E, mais tarde: “Eu, pessoalmente, acho que Belo Monte é um dos maiores erros atuais. A gente está construindo usinas basicamente para poder aumentar a produção de alumínio. Vai comprometer toda aquela área pra produzir mais alumínio. É esse o progresso que queremos?”.

Em outra manifestação, Fernando Meirelles foi ainda mais direto: “A Transamazônica do filme é a Belo Monte de hoje. Aquele deputado de terninho é a Kátia Abreu (senadora da bancada ruralista pelo PSD/TO). Isso está muito claro”. No filme, há ainda um militar que é a cara desse governo no trato de Belo Monte e das questões ambientais. Só não gritei – “Nossa, é a Dilma Rousseff!” – porque faço uma campanha persistente pelo silêncio no cinema. Quando Orlando Villas Bôas tenta explicar que a Transamazônica vai passar por cima dos Kren Akarore, uma etnia isolada, o militar declara: “Limpe o caminho. Mas tem que ser rápido”.

Há de se eliminar aquilo que “atravanca” o progresso ontem, o desenvolvimento hoje – tirar da frente, custe o que custar. “Resolver”. E rápido. Como a História mostrou, dos 600 Kren Akarore restaram 79 depois da abertura da Transamazônica. Ou seja: o efeito da Transamazônica, apenas sobre uma única etnia indígena, foi um genocídio de mais de 500 seres humanos. E a Transamazônica até hoje é uma picada intrafegável boa parte do ano, apelidada por onde passa de “Transamargura”. As obras de Belo Monte começaram – sem o cumprimento das condicionantes ambientais – e o estrago já é visível.

Entre os desafios que um futuro biógrafo enfrentará ao contar a vida e a obra de Dilma Rousseff está o seguinte paradoxo: como uma mulher que entrou na clandestinidade, pegou em armas para lutar contra o autoritarismo e pagou pela sua coerência o preço altíssimo de ter sido torturada vira uma ministra, primeiro, uma presidente depois, que, em se tratando de políticas para a Amazônia e o meio ambiente, incorpora – e o pior, implanta – a mesma visão da ditadura militar que combateu. De novo, estamos de volta ao Brasil Grande que pensa pequeno – mas em plena democracia e numa imprensa sem censura oficial. Acho o paradoxo fascinante do ponto de vista humano, mas um desastre para o país.



Talvez, hoje, a presidente Dilma Rousseff passasse um pito na guerrilheira Dilma Rousseff: “Não há espaço para a fantasia”. E imediatamente esquecesse que foi essa “fantasia” que tornou possível não só a própria democracia, mas a ascensão de um operário à presidência do Brasil. E também a tudo o que veio depois – inclusive ela. Foi essa mesma frase, em minha opinião a mais infeliz de sua trajetória como presidente, possivelmente de sua vida, que Dilma Rousseff declarou aos ambientalistas que combatem Belo Monte, no início de abril, afirmando que não mudará sua política de “desenvolvimento” para a Amazônia. O que nos faz concluir que, diante dos Irmãos Villas Bôas, os indigenistas de ontem, Dilma Rousseff só poderia dizer o mesmo que diz para os indigenistas de hoje: “Não há espaço para a fantasia”.

Cara presidente, se não existisse “fantasia” não existiria humanidade – não existiria nem mesmo o conceito de nação. Como disse Fernando Meirelles, no site da produtora O2 Filmes: “Sonhe um pouco, presidenta. Ou ao menos escute o sonho dos que conseguem sonhar”. 

Kayçara Myga Iapo Tariano - atriz indígena no Teatro e Cinema

Kayçara Myga Iapo Tariano (Ana Paula Peixoto Pinheiro) do povo indígena Tariano:
Sou de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas-Brasil, nascida em 04/04/1992.

Bom não fiz nenhuma faculdade de cinema, mas faço teatro, no teatro Indígena do Amazonas na Cia Pombal, já participei de várias peças e dois filmes de longa metragem o “Xingu - o Filme” e “A caminho sem Volta”, ainda não fiz nenhum curta metragem mais quem sabe logo faça. Por exemplo em “ Xingu - o Filme” fiz o papel da Mavira que foi a namorada do Caio Blat. " Xingu - o filme" foi uma experiência muito boa! O elenco, a direção do filme e a equipe foram muito maravilhosos.

Na minha trajetória já tive bastante dificuldades, sim pois o povo amazonense em vez de ter orgulho em serem chamados de índios, tem vergonha disso. Isso me dá raiva, pois até nosso próprio povo tem vergonha de sua origem , mais o que eles não sabem é que a terra é do índio desde no inicio da colonização, uma coisa que tenho muito orgulho é de ser o que sou!

Uma das coisas que me marcou muito, foi quando foi alugar uma casa e a dona da casa só porque soube que eu era índia, não quis alugar por que ela acha que lugar de índio é no mato. Mas discordo dela, queres saber por que? Por que todos nós seres humanos somos iguais sejamos brancos, morenos, negros, índios ou o que for, todos temos direitos de aprender e mostra o que sabemos.

Uma das barreiras que tive, foi que ninguém, praticamente ninguém acreditava que eu pudesse chega a algum lugar, mas não sou sonhadora, vivo mesmo é com pé no chão. Pois sei que para se chegar em algum lugar só vai depender de mim .. e eu sei que vou conseguir o que tanto quero ... já sofri bastante preconceito na escola e no meu primeiro emprego todos zombavam de mim, quer saber o que eu fazia? Era mais ousada (eu dizia que sou sim índia, conheço minhas origens e você sabe pelo mesmo de onde veio? Pois eu sou índia e tenho muito orgulho de ser- eu respondia assim!).

Sou bastante justa, não gosto de mentiras, nem falsidades sou o que sou e ninguém me muda, e se eu mudar um dia vai ser só por fora por dentro serei a mesma .. todos são iguais pra mim.
Agradeço pelo carinho. Beijos!
Contatos Kayçara Myga Iapo Tariano: anapaula.tariana@hotmail.com
Publicado originalmente em: http://cinemaartes.blogspot.com.br/


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