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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Carrasco de la Rubia: cinema libertário e jornalismo de trincheiras na Guerra Civil Espanhola

O jornalista, diretor e crítico de cinema se alinhou com o anarquismo e narrou a Guerra Civil na frente de Aragão; foi fuzilado em maio de 1939 em Barcelona

 

O cinema Capitólio, nas Ramblas, ainda mantinha em cartaz o filme Miss Repórter (Front Page Woman, 1935), com Bette Davis e George Brent, aguardando a liberação iminente de Pánico en el aire (You may be next 1936), uma das grandes apostas da Columbia Pictures nessa época . No Coliseu da Gran Vía, a Paramount projetava A Chave de Vidro (The Glass Key, 1935) , com George Raft e Edward Arnold, e a comédia El cantor del río (que não consegui identificar – LA), com WC Fields. Astoria, situado na rua Paris, ofereceu um programa duplo com La cita a medianoche (que não consegui identificar – LA) e A incomparável Ivonne (Manhattan Moon, 1935) estrelado por Ricardo Cortez e Dorothy Page. Naquele sábado, 18 de julho de 1936, dizem, um calor de matar caiu sobre Barcelona.

Talvez a escolher um desses filmes se dedicou, naquela manhã, Francisco Carrasco de la Rubia (Sevilla, 1905 Barcelona, 1939), ignorando que dentro de poucas horas se poria em marcha uma sequência macabra de eventos que o levaria à morte por um pelotão de fuzilamento no Camp de la Bota de Barcelona, junto com dezoito outras pessoas. Assim terminava um rápido processo militar aberto contra ele, jornalista e crítico de cinema, por ser "um destacado anarquista ao longo de toda sua vida", "um furibundo propagandista da CNT" e, finalmente, "um indivíduo perigosíssimo" que fazia "elogios a Durruti e outros chefes anarquistas, atacando o Movimento Nacional e insultando o Caudilho ".



Carrasco de la Rubia tinha chegado a La Vanguardia em maio de 1936 vindo da revista cinematográfica Popular Film, dirigida por Mateo Sanz, a quem se deve a filmagem de documentos essenciais sobre a Guerra Civil, como Barcelona trabalha para o front. Conectados a partir de, pelo menos, junho 1932 pela Associação Cinematográfica Espanhola (ACE), de explícita orientação libertária e próxima das posições do Cinéma du Peuple francês, ambos são partidários de um cinema que combine as aspirações social e formal - por exemplo, o soviético - enquanto rejeitam a maior parte da produção espanhola do momento.

Isso fica claro em uma das primeiras contribuições de Carrasco de la Rubia no jornal de Barcelona, no qual defende o uso do cinematógrafo para a educação do espectador. "Vamos aproveitar a grande força expressiva do cinema, editemos filmes que ataquem com valentia o terrível conflito e inundem o mundo com filmes que ensinam a odiar a guerra. O cinema é a único das armas que não fracassou durante a guerra”, observa em O cinema e a guerra (6 de maio de 1936) o crítico e jornalista, que passaria a fazer parte da Generación Popular Film , em que militariam também Antonio del Amo, Sylvia Mistral e Alberto Mar, entre outros.

Francisco Carrasco de la Rubia, com sua mulher Conchita em uma fotografia familiar / COLECCIÓN MARTA CARRASCO

No entanto, às vésperas da Guerra Civil, ele deixa o ecossistema das salas de exibição e é incorporado ao rebanho de militantes que lutam na frente de Aragão como um enviado especial de La Vanguardia, como informa o jornal em 8 de agosto de 1936: "Hoje mesmo se mudou para a linha de fogo, de onde mandará suas crônicas de guerra." No rastro de seus textos, Carrasco de la Rubia reportou ao longo de dois meses, com o intervalo de alguns dias em que voltou para buscar uma câmera fotográfica e um carro, um Citroën Rosalie "cheio de medalhas San Cristóbal e outros santos", confiscado à força em Barcelona.

O repórter Carrasco de la Rubia envia textos de toda a frente aragonesa. Em Quinto, Osera, Belchite ... "Antes do amanhecer começaram os disparos de canhão e metralhadora -relata em 19 de agosto de 1936. Os homens de Ortiz [Comandante Antonio Ortiz Ramirez, chefe da denominada Coluna Sul-Ebro], cujo espírito de luta é algo indescritível, lutou bravamente na tomada de Belchite , causando a o inimigo numerosíssimas vítimas e fazendo-o fugir desordenadamente, abandonando armas e feridos, tomados pelo maior terror. Aqueles que não tiveram tempo de empreender a retirada se refugiaram no seminário e na prisão, onde apenas a morte os espera ”.

Ele também consegue se encontrar com alguns dos protagonistas da luta, como Durruti . O líder anarquista até convida-o a andar pelo front em seu carro. "Ouvindo Durruti e Ortiz falarem, a pessoa sente-se dominada pela força persuasiva de um verbo quente, e o sangue se acende nas veias. São verdadeiros cavalheiros do ideal; em seus rostos, assim como em seus lábios, reflete-se a ilusão de implantar as novas doutrinas, cujo rastro é assinalado por bandeiras vermelhas e pretas nessas aldeias de Aragão. Só tem um defeito para nós: que eles são impenetráveis. Não há como descobrir o que se prepara", escreve ele em La Vanguardia em 15 de agosto de 1936.

De volta a Barcelona, Carrasco de la Rubia retomou seu trabalho como crítico de cinema, embora algumas de suas fotografias ilustrem a relevância da Guerra Civil nos meses seguintes. Assim, por exemplo, uma das suas imagens abre uma reportagem gráfica sobre as condições de vida dos milicianos. Outro instantâneo assinado por ele explica a morte de Durruti no suplemento de La Vanguardia em 22 de novembro de 1936: "Um herói autêntico: Buenaventura Durruti. O camarada por excelência, o homem bom, o homem honesto, o homem que se entregou inteiramente a seus ideais, foi vítima de balas inimigas no front", dizem o título e a legenda da foto.


Milicianos nos combates de Belchite (1937), em uma célebre instantânea de Agustí Centelles. MUSEO REINA SOFÍA

Contudo, jamais abandona seu compromisso político, ainda que, agora, o faça do mundo do cinema. Com apoio do governo Negrín chega a filmar dois curtas de tom propagandístico (Exército regular em 1937, e Camponeses de ontem e hoje, em 1938) e se põe à frente de um grupo denominado Cinemático com a intenção de promover a renovação cinematográfica. Ele também dá conta da situação na Andaluzia. Por exemplo, no artigo intitulado 'O sacrifício de Sevilha' (La Vanguardia , 19 de julho, 1938) registra a luta em bairros operários de Sevilha e o assassinato de Blas Infante, "mestre respeitado e queridíssimo amigo meu", anota.

Ainda sobre suas origens, talvez o relato de uma fala radiofônica que dirigiu “a seus conterrâneos” em 15 de setembro de 1938 ofereça mais alguma referência: "Começou evocando sua juventude em Triana ...". "Como vocês podem suportar tantas humilhações?”, perguntou a seus patrícios – registra o texto. “E, para levantar-lhe o ânimo, para incitá-los a reconquistar sua liberdade, lembrou aos sevilhanos a grandeza do seu passado ... ‘Levantem-se contra os invasores!’, gritou Carrasco de la Rubia, sevilhano de pura cepa, enamorado de sua terra e, por isso, zeloso da honra de seus compatriotas." conclui o trecho publicado por La Vanguardia.

Precisamente esta conferência radiofônica pesará contra ele ao decidir não partir para o exílio, já que sua filha Marta tinha apenas alguns meses e ele não havia cometido qualquer delito de sangue. Apesar disso, foi preso e julgado por rebelião militar por seu "trabalho muito ativo em prol dos marxistas", um processo cheio de arbitrariedades e acusações mesquinhas, amplamente documentado pelos professores José María Caparrós e Magos Crusells na exposição Cinema em tempos de guerra, exílio e repressão (Cinema en temps guerra, exili i repressió –2009). Depois de conhecer a sentença de morte, ele escreve cartas para sua esposa, onde ele declara amor eterno, mas, em que, com extraordinária lucidez, adverte sobre a impossibilidade de um indulto por causa do ódio e do revanchismo existentes. Morreu baleado em 13 de maio de 1939. Naquele dia, dizem eles, uma chuva estranha caiu sobre Barcelona.

Livre tradução:  Luiz Alberto Barreto Leite Luiz Alberto Barreto Leite
originalmente publicado em:https://cronicaglobal.elespanol.com/letra-global/cronicas/guerra-civil-carrasco-rubia-cine-periodismo_159275_102.html


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