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Herzog projetado no Clube Militar contra as comemorações do golpe de 64 ! |

O cinema se
destaca como uma das principais formas de arte no que diz respeito a
construções idealizadas do que foi a ditadura. Primeiro, pela relação que a
imagem cinematográfica, através de sua projeção, pode criar com o espectador,
já que os filmes são altamente regulados pelo “efeito de real”, ideia que Barthes
(2004) desenvolveu para a literatura, mas que também está presente nos filmes, que
pode criar, reforçar ou modificar o imaginário nacional sobre o período, além
de reformular o discurso sobre a nação. Para Barthes, o “efeito de real”
consiste nas estratégias utilizadas nas narrativas realistas para descrever ao
leitor o ambiente proposto, que representam o “real” a partir de sentidos
conotados e denotados, de tal modo que sejam apagados os resquícios da
artificialidade e criada uma relação entre leitor e texto, a partir das
referências do que o leitor entende por “realidade”. Em segundo lugar, o cinema
remete à relação entre arte e vida, já que os filmes podem ser entendidos como
artefatos culturais que “falam” muito da cultura da qual fazem parte.
A construção da
memória social sobre a ditadura civil-militar, então, em constante movimento e
negociação, é compreendida por distintos agentes sociais de variadas formas. O
cinema é apenas mais um lugar social em que se reivindica espaço para
veiculação sobre pontos de vista deste período, em que é possível ter contato
com novas versões, que no geral, evidenciam memórias que de alguma forma
foram silenciadas. Neste sentido, optar por tematizar a ditadura significa
fazer parte da tensão que busca (re)significá-la para um público presente. A
rememoração também é um ato político.
Desta forma, por
trás da representação cinematográfica e das disputas pela memória do período
estão conceitos que fazem parte de todo esse cenário tenso, em que há uma briga
pelos significados das palavras verdade e silenciamento. É a forma como as
pessoas da nação compreendem o significado dessas palavras que está em disputa,
pois esses temas estão atrelados à grande parte dos discursos sobre a ditadura
e já fazem parte do imaginário sobre o período. O que se busca é indicar o modo
como a sociedade entende e compartilha o passado, a partir da relação entre
imaginário e memória. Esta questão está muito atrelada à ideia de
reconciliação, em que o perdão ainda está sendo negociado, e a conciliação
social ainda está em curso. Quando se trata de trazer questões relacionadas à
memória da ditadura civil-militar são conotados sentimentos que envolvem
silenciamento, além de esquecimento, ressentimento e perdão, que estão também
relacionados com a forma com a qual o país passou do governo autoritário para o
“democrático”, sem punições, e com a imposição de versões que minimizaram as
atrocidades e as diversas violências que foram cometidas nesse período. Assim,
o testemunho apresentado no cinema é utilizado como uma forma de “representação
do passado por narrativas, artifícios retóricos, colocação em imagens”
(RICOUER, 2007, p. 170), que ativa uma memória com o objetivo de não esquecer,
de não silenciar.
A produção
cinematográfica nacional acumulou um grande número de obras que trabalham com
representações acerca deste tema. Os filmes trazem para o presente diferentes
releituras sobre o passado, cada qual balizado por determinados aspectos do
período, mas que de algum modo dialogam entre si, mesmo que no embate por
ressignificações. Dentre os filmes, é possível encontrar distintos gêneros, que
geralmente tiveram seus argumentos pautados em biografias, fatos políticos e/ou
sociais marcantes ou até mesmo em experiências vivenciadas pelos autores das
obras.
Principalmente a
partir da “retomada do cinema brasileiro”, mesmo não sendo possível
classificá-los como uma corrente estética única, é possível determinar
diferentes momentos e estilos de trabalho, em que existem, por exemplo, filmes
com caráter de denúncia, filmes de ação, filmes biográficos e, mais atualmente,
filmes que buscam fazer uma releitura do passado a partir do presente, quando
são trabalhados temas como os traumas, a vingança e a memória, como Corpo (Rossana Foglia, Rubens Rewald,
2007) e Hoje (Tata Amaral, 2012). As
histórias podem ser baseadas em personagens reais, como Lamarca (Sérgio Rezende, 1994), Marighella
- Retrato Falado do Guerrilheiro (Silvio Tendler, 1999) e Zuzu Angel (Sérgio Rezende, 2006); em
acontecimentos reais, como Araguaya - a
conspiração do silêncio (Ronaldo Duque, 2004), Hércules 56 (Silvio Da-Rim, 2006), Batismo de Sangue (Helvécio Ratton, 2007) e Condor (Roberto Mader, 2007) ou em histórias ficcionais formuladas
sobre um “período” real a partir da forma como o autor entende o passado, como Ação entre amigos (Beto Brant, 1998) e O ano em que meus pais saíram de férias
(Cao Hamburger,
2006). Portanto, é possível unificá-los, ao menos, como filmes políticos, pelas
características que estão presentes em seus discursos.
Nesse
aniversário de 49 anos do golpe ainda há muitas dúvidas e lacunas sobre o
período. Novas histórias estão encontrando espaço e muitas outras versões ainda
precisam aparecer para que a sociedade possa (re)formular sua memória social
sobre a ditadura, sem ressentimentos. Enquanto isso, é possível buscarmos filmes
que foram produzidos – e conseguiram driblar a censura – desde 1964 até os dias
de hoje, e neles encontrarmos algumas novas possibilidades de ver, interpretar e
compreender esse passado.
Referências bibliográficas
BARTHES,
Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
NORONHA, Danielle Parfentieff de. Cinema, memória e ditadura civil-militar: representações sobre as juventudes em O que é isso, companheiro? e Batismo de Sangue. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2013.
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Lista de filmes sobre a ditadura civil-militar brasileira.
ResponderExcluirComente sobre os filmes abaixo e indique mais títulos:
O desafio (Paulo Cesar Saraceni, 1964);
Terra em transe (Glauber Rocha, 1967);
A opinião pública (Arnaldo Jabor, 1967);
Liberdade de imprensa (Curta-metragem - João Batista de Andrade, 1968);
Você também pode virar um presunto legal (Sérgio Muniz, 1971/2006);
Brazil: a report on torture (Saul Landau & Haskell Wexler, 1971);
Estado de sítio (Costa-Gravas, 1972);
Blablablá (Andrea Tonacci, 1975);
O Bom burguês (Oswaldo Caldeira, 1979);
Pra frente, Brasil (Roberto Faria, 1982);
Frei Tito (Curta-metragem - Marlene França, 1983);
Jango (Silvio Tendler, 1984);
Em nome da segurança nacional (Roberto Carminati, 1984);
Cabra marcado pra morrer (Eduardo Coutinho, 1985);
Feliz ano velho (Marcelo Rubens Paiva, 1985);
Nada será como antes. Nada? (Renato Tapajós, 1985);
Que bom te ver viva (Lucia Murat, 1989);
Muito além do Cidadão Kane (Simon Hartog, 1993);
Lamarca (Sérgio Rezende, 1994);
O que é isso, companheiro? (Bruno Barreto, 1997);
Ação entre amigos (Beto Brant, 1998);
Marighella - Retrato Falado do Guerrilheiro (Silvio Tendler, 1999);
Dois córregos (Carlos Reichenbach, 1999);
Golpe de 64: a procissão está nas ruas (Mauro Lima, 2000);
Barra 68 - Sem perder a ternura (Vladimir Carvalho, 2001);
Araguaya - a conspiração do silêncio (Ronaldo Duque, 2004);
Cabra-cega (Toni Ventura, 2004);
Quase dois irmãos (Lúcia Murat, 2004);
Tempo de resistência (Andre Ristum, 2004); 152
Olga (Jayme Monjardim, 2004);
Vlado: 30 anos depois (João Batista de Andrade, 2005);
Contos da resistência (Getsemane Silva, Glória Varela, Marcya Reis, André Carvalheira,
Guilherme Bacalhao, 2005);
O Quintal Dos Guerrilheiros (João Massarolo, 2005);
Batismo de Sangue (Helvecio Ratton, 2006);
Hércules 56 (Silvio Da-Rim, 2006);
Zuzu Angel (Sérgio Rezende, 2006);
1972 (José Emilio Rondeau, 2006);
O ano em que meus pais saíram de férias (Cao Hamburger, 2006);
Sonhos e Desejos (Marcelo Santiago, 2006);
Dzi Croquetes (Erika Bauer, 2006);
Caparaó (Flávio Frederico, 2007);
Condor (Roberto Mader, 2007);
Corpo (Rossana Foglia, Rubens Rewald, 2007);
O profeta das águas (Leopoldo Nunes, 2007);
Tira os óculos e recolhe o homem (André Sampaio, 2008);
Cidadão Boilesen (Chaim Litewski, 2009);
Em teu nome (Paulo Nascimento, 2010);
O dia que durou 21 anos (Camilo Tavares, 2011);
Marighella (Isa Grinspum Ferraz, 2011);
Uma longa viagem (Lúcia Murat, 2011);
Hoje (Tata Amaral, 2011).