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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Cinema indígena agoniza sem recursos

Abandonado pelo Ministério da Cultura, cinema indígena agoniza sem recursos

Carlos Minuano
A prolífica produção indígena no cinema revelou cineastas e abriu novos caminhos para a transmissão do conhecimento tradicional entre gerações. Mas o gênero que evoluía no Brasil, conquistando novos espaços e reconhecimento em festivais, e parecia se consolidar no país, praticamente parou por falta de recursos.
"A falta de recursos tem dificultado que novos filmes sejam feitos", diz Vincent Carelli, idealizador do Vídeo nas Aldeias. "A situação dos índios é péssima, a produção é ainda muito reduzida e a gama de problemas muito ampla". Para ele, é preciso investir mais no desenvolvimento da mídia indígena. "Eles precisam de mais acesso a subsídios e mais formação. Não há recursos hoje para formar e equipar novas comunidades". 

Foi o projeto Vídeo nas Aldeias que impulsionou, no final da década de 1990, boa parte da produção. Um estímulo significativo veio com o programa Pontos de Cultura, criada dentro da gestão de Gilberto Gil (2003-2008) no Ministério da Cultura, e que passou a financiar experiências audiovisuais por indígenas. Com mudanças de rumos na política, o dinheiro cessou impedindo continuidade de projetos. "O Ministério da Cultura abandonou os pontos de cultura", diz Carelli. Ainda assim, ele garante que o trabalho segue e continua expandindo fronteiras.
"Apesar do desmanche da política cultural estamos produzindo os trabalhos dos alunos que formamos, e realizando filmes com eles", diz Carelli. Um deles é o bem sucedido documentário "Hiper Mulheres" (2011), que faturou prêmios em importantes festivais de cinema no Brasil e no exterior. Filmado por índios e dirigido por Takumã Kuikuro, Leonardo Sette e o antropólogo Carlos Fausto, o longa mostra um ritual de mulheres da etnia Kuikuro.

A aldeia como ela é
Uma pequena --mas relevante-- amostra dessa produção também está na coleção Um Dia na Aldeia, que acaba de ser lançada pela editora Cosac Naify. São três longas produzidos dentro do projeto Vídeo nas Aldeias, dois deles dirigidos por índios: "Depois do Ovo, a Guerra" e "Das Crianças Ikpengs Para o Mundo". "São trabalhos maduros, que também têm sido bem recebidos em festivais", conta Carelli. O terceiro filme, com corte mais documental, foi dirigido por ele e Dominique Gallois.

Mas o olhar indígena na coleção Um Dia na Aldeia não se restringe ao audiovisual. Os três DVDs estão encartados em livros infanto-juvenis, em edição bilíngue. Cada um conta uma história, inspirada num filme indígena, adaptada por Ana Carvalho, e ricamente ilustrada e colorida por Rita Carelli, filha de Vincent.

"Os livros procuram mostrar que índios não pertencem ao passado nem aos livros de história, mas que estão vivos, brincando, lutando por suas terras e direitos, fazendo suas festas e filmes", afirma Rita, que acompanhou o pai em viagens por tribos de todo o país.


Diversidade indígena em São Paulo
No final de agosto, um grupo de indígenas desembarcou na cidade de São Paulo com cineastas, caciques e pajés para acompanhar a primeira Mostra de Cinema Indígena Aldeia SP. Uma seleção de 34 curtas produzidos por 15 etnias das regiões Norte e Centro-Oeste foi exibida em diferentes espaços culturais da capital.

Os filmes foram feitos em 2010 dentro de oficinas que aconteceram com a criação dos pontos de culturas indígenas, realizadas em parceria com a ONG Rede Povos da Floresta e o Vídeo nas Aldeias. As produções mostram que a apropriação das novas tecnologias serviu para índios explorarem um olhar singular sobre o próprio universo.

É o que transparece, por exemplo, em "A Casa dos Espíritos", dirigido por Morzaniel Iramari e Dário Kopenawa. "O filme traz um pouco do costume e tradição ianomâmi, com um olhar íntimo e único", analisou a curadora da mostra, Alice Fortes, integrante da Rede Povos da Floresta. A narrativa se passa na aldeia Watoriki-Theri, terras indígenas em Roraima e no Amazonas, que preservam uma magia que, segundo ela, garimpeiros não conseguiram roubar.


Outra parte dos cineastas indígenas optou por deixar de lado lendas e mitos e carregaram suas filmagens com tintas mais densas, se apropriando do audiovisual como ferramenta de resistência política. Essa temática mais social tem norteado muito do que tem se produzido pelo país mais recentemente, diz Carelli.

"Há uma diversidade enorme, temos desde o celular registrando a polícia militar entrando em uma aldeia no Nordeste até as manifestações do movimento indígena em Brasília, em streaming ao vivo". Falta, segundo ele, um levantamento que mapeie essa produção. "Tem muita gente fazendo alguma coisa de maneira dispersa".
Índios isolados
A frágil e tensa situação dos índios isolados na fronteira do Acre com o Peru, pressionados pelo garimpo e extração ilegal de madeiras, também já foi retratada em quatro curtas do índio Nilson Huni Kuin.

Para filmar, o indígena, que vive em uma aldeia vizinha a área dos "isolados", conta que realizou diversas expedições de aproximação com um grupo de assistentes. "Chegamos a passar até um mês dentro da mata". Segundo ele, teve ocasiões em que foram recebidos com flechadas de advertência. "Não queriam nos ferir, mas sim dizer que estávamos em território deles". 
Os isolados ganharam o apelido de "os brabos". "São três grupos com cerca de 800 pessoas que vivem em uma situação cada vez mais delicada", diz. O primeiro longa-metragem sobre esse tema deve ficar pronto até o final do ano.

A variedade temática e de estilos de filmes dá uma dimensão da relevância da produção nas aldeias, segundo a curadora da mostra Aldeia SP. "Vai bem além de mostrar a cultura dos índios para o mundo". "Eles não têm tradição escrita, e sim de fala, por isso a produção de vídeos é uma forma natural e orgânica para que se expressem e disseminem seus conhecimentos, não apenas para não-índios, mas para eles mesmos", declara Fortes.

publicado originalmente em: http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2014/09/02/abandonado-pelo-ministerio-da-cultura-cinema-indigena-agoniza-sem-recursos.htm
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