O Programa de Doutoramento “Estudos Avançados em Materialidades da Literatura” contará em breve com uma revista online, intitulada MatLit. O seu primeiro número será dedicado ao tema «Estranhar Pessoa com as Materialidades da Literatura» e sairá muito em breve. A revista publicará dois números por ano, um na Primavera e outro no Outono.
O nº 2, organizado pelo Subprojecto «A Literatura e a Imagem Técnica» (do Projecto de investigação em «Literatura, Artes e Média» das Materialidades da Literatura), em parceria com o Projecto de Investigação «Falso Movimento. Estudos sobre Escrita e Cinema», coordenado por Clara Rowland, tratará o tema Escrita e Cinema. O prazo para submissão de artigos e recensões termina no dia 31 de Agosto de 2013. Passamos a transcrever o Call for Papers (serão aceites textos em português e em inglês). Mais informações, no final do texto.
MatLit
Revista do programa de Doutoramento «Estudos Avançados em Materialidades da Literatura»
Revista do programa de Doutoramento «Estudos Avançados em Materialidades da Literatura»
Vol. 1, Nº 2, Outono de 2013: «Escrita e Cinema»
Eds. do número: Clara Rowland (Universidade de Lisboa) e Osvaldo Manuel Silvestre (Universidade de Coimbra)
Na sequência final de Un chien andalou (1929) de Luís
Buñuel, o casal passeia pela praia de mãos dadas, no que seria um Happy
End perfeito, não fora o último plano, situado na Primavera seguinte, em
que do casal parecem restar apenas reproduções em cartão, arruinadas
pela natureza. O filme termina pois em pleno imaginário romanesco
(melodrama, final duplo, falso happy end), o que ajuda a perceber que,
como nota Robert Short, o surrealismo não abandonou a narrativa nem
virou costas à «arte de massas», aliás uma boa definição para o cinema
nascente, quer em Hollywood quer em boa parte da Europa de então. Un chien andalou,
lembre-se, começa com o intertítulo «Il était une fois», e o filme
afasta-se das tentativas anteriores da vanguarda Dada ou surrealista no
cinema (Man Ray, Desnos, Artaud) justamente por não destruir a
produtividade da ideia de «contar uma história». O problema reside aqui
mesmo, pois ao recusar a pura experimentação formal que definira até aí a
vanguarda, Buñuel não recupera porém aquela versão oitocentista da
literatura enquanto «arte de contar histórias para a burguesia», versão
contra a qual se virá a erguer o movimento moderno. Lembremos aquele disclaimer
de Mallarmé, figura maior da crítica da representação que alimentará a
literatura moderna, segundo o qual versos não se fazem com ideias mas
com palavras (ou aqueloutro de Valéry, incapaz de escrever frases como
«A marquesa saiu às cinco horas»).Eds. do número: Clara Rowland (Universidade de Lisboa) e Osvaldo Manuel Silvestre (Universidade de Coimbra)
O que fica então da narrativa em Un chien andalou? A sabotagem do mecanismo da causa-efeito e, logo, da sequência narrativa, mas ao mesmo tempo a narrativa como teleologia (ou pulsão). Assim como da literatura fica um certo número de tropos – acima de todos a metonímia que nos dá a ver o trabalho do inconsciente – e um famoso efeito de assinatura produzido logo a abrir pelo autor-realizador ele-mesmo por meio de uma navalha de barba. A complexidade com que o filme inaugural de Buñuel aborda as relações entre escrita e literatura, de um lado, e cinema, do outro, situa-se pois muito para lá do quadro tradicional em que os estudos literários conceptualizam essa relação, quase sempre sob a égide da figura da «adaptação», com todas as suas noções de referência (precedência, traduzibilidade, fidelidade, etc.). Inversamente, é possível afirmar que o cinema tende a confundir a literatura, e em especial o romance, com a história, esquecendo ou menorizando as «palavras», para regressar a Mallarmé, e optando pelas «ideias». Contudo, não há cinema, mesmo no precedente histórico do mudo, sem escrita, da pré-produção (o argumento) à pós-produção (que pode ir da crítica à novelização do argumento, como ocorre em vários dos filmes UFA de Fritz Lang ou nos de Spielberg e George Lucas, mas também nos livros que o Godard tardio edita a partir dos textos que escreve para os seus filmes) ou ainda à inscrição no corpo do filme de subtítulos, separadores, citações, etc. (pense-se nos casos maiores de Godard ou Greenaway). E há toda uma tipologia de «inscrições» da escrita em filmes: a produzida pela carta, pelo diário ou pela poesia, no momento da escrita ou da leitura, em tratamento ficcional ou documental. Refira-se ainda um género tão singular como o «filme ensaio», cuja ascendência literária é denunciada logo na sua designação, e cujo procedimento formal herda a inquirição do ensaio enquanto escrita híbrida e epistemologicamente vacilante.
O nº 2 de MatLit abordará uma gama alargada de ocorrências da materialidade e reflexividade da escrita no cinema, tentando reflectir sobre (i) a relação entre escrita e imagem fílmica, as possibilidades de descrição/tradução mútua e os limites semióticos dessa descrição; (ii) a constituição histórica de uma ontologia do cinema por reacção à literatura e o estado actual da questão; (iii) a escrita no cinema, como tema e como inscrição; (iv) o cinema como escrita e linguagem e a linguagem e a escrita como analogias dos processos de significação no cinema; (v) a forma como a materialidade da escrita no cinema nos ajuda a pensar a literatura como inscrição mais do que como ontologia; (vi) a crítica como escrita (sobre o cinema), o lugar historicamente difícil desse «sobre» e a forma como o digital e as novas tecnologias de reprodução ajudam e desajudam a crítica de cinema.
MatLit
Journal of the Doctoral Program ‘Advanced Studies in the Materialities of Literature’
Journal of the Doctoral Program ‘Advanced Studies in the Materialities of Literature’
Volume 1, Issue 2, Fall 2013: ‘Writing and Cinema’
Issue Editors: Clara Rowland (University of Lisbon) and Osvaldo Manuel Silvestre (University of Coimbra)
In the final sequence of Un chien andalou (1929) by Luis
Buñuel, the couple is strolling along the beach holding hands, in what
would be a perfect Happy End, if it were not for the final shot, set in
the following Spring, when all that is left of the couple are cardboard
reproductions, ruined by nature. The film ends in novelistic imagination
(melodrama, double end, false happy ending), which helps us to realize
that, as noted by Robert Short, Surrealism did not abandon the narrative
nor turn its back on the ‘art of the masses’ (indeed a good definition
at the time for the nascent film form, whether in Hollywood or in much
of Europe). Un chien andalou, it should be recalled, begins
with the intertitle ‘Il était une fois’, and the film moves away from
earlier Dada or surrealist avant-garde films (Man Ray, Desnos, Artaud)
because it does not move away from the productivity of ‘telling a
story’. This is at the heart of the problem, because by refusing the
kind of pure formal experimentation that hitherto had defined the
avant-garde, Buñuel is not recovering a nineteenth-century version of
literature as ‘the art of storytelling to the bourgeoisie’, the version
against which the modernist movement had risen. Let us recall here that
disclaimer of Mallarmé – a major figure in the critique of
representation that will feed modern literature – whereby verses are not
made with ideas but with words (or that other saying by Valéry, unable
to write sentences like ‘The marquise went out at five o’clock’ ).Issue Editors: Clara Rowland (University of Lisbon) and Osvaldo Manuel Silvestre (University of Coimbra)
What then is left of the narrative in Un chien andalou? The sabotage of the mechanism of cause and effect, and thus narrative sequence, but at the same time narrative as teleology (or drive). As well as a number of tropes from literature – above all that of metonymy, which allows us to see the work of the unconscious – and a famous signature effect produced at the very beginning by the author-filmmaker himself by means of a razor. The complexity with which Buñuel’s inaugural film addresses the relationship between writing and literature, on the one hand, and cinema, on the other, is situated far beyond the traditional framework in which literary studies conceptualize this relationship, often under the figure of ‘adaptation’, with all its notions of reference (precedence, translatability, loyalty, etc.). Conversely, one can say that film tends to mistake literature, especially the novel, for story, forgetting or minimizing ‘words’, to return to Mallarmé, and opting for ‘ideas’. However, there is no cinema, even in the historical precedent of silent film, without writing, from pre-production (the film script) to post-production (which extends from criticism of the novelization of the screen script, as in several UFA films by Fritz Lang or in films by Spielberg and George Lucas, but also in books that late Godard published based on the texts he had written for his films), or even in the body of the film as subtitles, intertitles, quotes, etc. (Consider the major cases of Godard or Greenaway). And there’s a whole typology of ‘inscriptions’ of writing in films: produced by letters, diaries or poetry at the time of writing or reading, in fictional or documentary treatment. We can mention also a genre as unique as the ‘essay film’, whose literary ancestry is immediately evident in its name, and whose formal process inherits the form of the written essay as hybrid and epistemologically unstable.
Volume 1, Issue 2 of MatLit will address a wide range of occurrences of materiality and reflexiveness of writing in film, trying to think about (i) the relationship between writing and film image, the opportunities for mutual description/translation and the limits of this semiotic description; (ii) the historical construction of an ontology of cinema as reaction to literature and the current state of the question; (iii) writing in cinema, as both theme and inscription; (iv) cinema as writing and language, and language and writing processes as analogies for processes of signification in cinema; (v) how the materiality of writing in film helps us to think about literature as inscription rather than as ontology; (vi) criticism as writing (about cinema), the difficult historical place of this about and the ways in which digital and new reproduction technologies both help and hinder film criticism.
DEADLINE: Article submissions will be due in August 31, 2013, with notifications of acceptance by October 31, 2013. Articles and reviews can be submitted through the journal online submission system. Authors should register and upload their files through the platform. If you have questions, the About section of the journal web site http://iduc.uc.pt/index.php/matlit/about has information on the journal’s scope and submission guidelines. You may also contact one of the issue editors, Osvaldo Manuel Silvestre, at oms.fluc@gmail.com
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