Carta de repúdio aos cinemas
comerciais de Florianópolis/SC que ainda não se manifestaram quanto à
exibição do filme “A Garota Dinamarquesa”
ADEH
Envio de Lirous K’yo Fonseca Ávila.
A ADEH – Associação em defesa dos
direitos humanos com enfoque na sexualidade veio por meio desta carta
mostrar a nossa indignação contra os cinemas comerciais de
Florianópolis/SC que não irão exibir o filme “A Garota Dinamarquesa”. A
ADEH é uma instituição que foi fundada por travestis e transexuais da
grande Florianópolis a mais de 23 anos e desenvolve um trabalho social
com toda a população. Sua constituição é majoritariamente composta por
mulheres travestis e mulheres transexuais que trabalham de forma
voluntária sem nenhuma ajuda governamental realizando o trabalho que por
obrigação deveria ser do estado de Santa Catarina e do município de
Florianópolis.
Como trabalhamos com a realidade social
das pessoas travestis, transexuais e transgêneras, resolvemos no ano
passado criar um evento no facebook chamado OcupaAdeh que tinha como
proposta central emponderar e levar a população trans (homens e mulheres
transexuais e transgêneros)/ mulheres travestis para as salas de cinema
de forma a fazer com que conheçam e sintam familiarizadas com o espaço
do cinema/shopping que é restrito a população trans/ mulheres
transexuais por imposição social. Há pouco tempo, um dos shoppings que
possui um cinema, acabou sendo processado e tendo a causa ganha por uma
mulher transexual que foi agredida dentro do shopping por utilizar o
banheiro que correspondia ao seu gênero, logo o feminino. E não é de
hoje que esses estabelecimentos tendem a violentar a população trans/
mulheres travestis quando ela ocupa espaços públicos.
Quando liguei para uma pessoa que se
colocou como responsável pela programação para saber a respeito do
filme, data de estreia e valores, ela me perguntou de forma rude e com
desdém: “-Tá, mas porque vocês querem assistir a esse filme”?
Nós queremos que esse filme passe no
cinema de Florianópolis porque é um dos poucos que retrata a história de
uma mulher transexual de forma digna sem utilizar de estereótipos
caricatos, deboches ou com apelos sexuais para nos representar.
Porque as pessoas ainda insistem em
querer acreditar que só pelo fato de participarmos de um mesmo movimento
social o LGBT, todas as letras que fazem parte são gays e isso inclui a
população trans/ mulheres travestis. Acreditamos que com o filme, esse
tipo de abordagem pode ficar mais claro e desmistificado.
Porque o filme trará um pouco de toda a
dor e sofrimento que a população trans / mulheres travestis se deparam
aos se descobrirem como pertencentes ao sexo oposto e que o mesmo não
acontece com os héteros cisgêneros (As pessoas cisgêneras são aquelas
que se conformam/identificam com o gênero que lhes foi compulsoriamente
designado no seu nascimento. Ou seja, nasceu com um pênis, foi
compulsoriamente designado como homem pelo discurso biomédico e se
reconhece como homem; nasceu com vagina, foi compulsoriamente designada
como mulher pelo discurso biomédico e se reconhece como mulher”.) que em
nenhum momento da vida precisam se descobrir nessa condição, fora que a
condição de heterossexual cisgênero é privilegiada, tida como normal e
não sofre de heterofobia, já que nenhum heterossexual morre por ser
heterossexual diferente da população LGBT que morrem por serem quem são.
Porque a nossa população de mulheres
transexuais e de mulheres travestis tem a expectativa de vida de 30 anos
e o Brasil é o país que mais mata a população trans/ mulheres
travestis, matando cinco vezes mais que o país que fica em segundo lugar
na matança da população trans/ mulheres travestis no mundo.
Porque desde que iniciou o ano de 2016,
pelo menos 47 pessoas trans/ mulheres travestis foram assassinadas e
todas com requintes de crueldade e a maioria dos casos continua sem
solução. O assassino pode estar lendo isso agora, pode ser o seu marido,
filho, amigo, vizinho, etc…
Porque a população trans/ mulheres
travestis é a que mais “comete suicídio”, mesmo eu tendo a certeza de
que a falta de oportunidades, a falta de acesso a bens e serviços (como
os da assistência social e a saúde), preconceitos e violências levam as
pessoas a concluírem o seu “próprio homicídio” causado pela falta de
amparo do Estado e do movimento LGBT.
Porque não há políticas públicas de
inclusão da população trans/ mulheres travestis nas escolas, unidades de
ensino (universidades, escolas técnicas, ensinos profissionalizantes,
etc…) e no mercado de trabalho, fazendo com que muitas que não desejam,
sejam submetidas à prostituição como única fonte de reprodução de vida
(arrecadar dinheiro para a sua existência), com a falta de segurança,
muitas são assassinadas e acabam mortas no seu local de trabalho.
Porque além de todo o trabalho que chega
a instituição ADEH, desde pessoas vítimas de violência, que necessitam
de acompanhamentos psicológicos ou jurídicos que ofertamos a toda a
população de forma gratuita, não é raro chegar demandas de mulheres
trans/ mulheres travestis que tem medo de comprar um milk shake por
exemplo, por causa do preconceito que sofrem na rua e nos
estabelecimentos mesmo sendo clientes, e pedem para que um dos membros
da instituição as acompanhe até os estabelecimentos para efetuar suas
compras.
Porque a maioria das pessoas
trans/mulheres travestis não costumam ocupar espaços públicos por medo
de represarias e de violências o que faz com que muitas se sintam
seguras a sair somente de madrugada.
Porque o estado de Santa Catarina demora
a reconhecer, quando reconhece, pois é uma sentença rara a acontecer, a
mudança do nome e do gênero nos documentos de identidade do requerente
que entra com processo judicial para sua retificação, impedindo que a
população trans/ mulheres travestis tenham acesso digno a escola ou ao
mercado de trabalho quando são mais “passáveis” como costumam denominar
aqueles/aquelas que mais são parecidas com homens ou mulheres reforçando
estereótipos de gêneros.
Porque diferente dos outros estados,
muitos médicos de Florianópolis se negam ou tratam com hostilidade e
desrespeito a população trans/ mulheres travestis ridicularizando-as e
fazendo com que as mesmas evitem os serviços básicos de saúde.
Porque muitas mulheres transfóbicas que
se dizem militantes contra as opressões de gênero e se intitulam
“RADFEMES” perseguem pessoas trans/ mulheres travestis nos espaços
acadêmicos fazendo com que muitas desistam de estudar, tendo que ser
obrigadas a conviver com mensagens de “boas-vindas” nos banheiros
femininos como “Morte aos travekos” ou ter o nome de registro exposto em
alguma página do facebook ou pichação na rua.
Porque muitas pessoas da população
trans/ mulheres travestis são expulsas de casa ainda jovens e acabam
ficando em situação de rua, sem perspectiva de uma vida com dedicação
aos estudos e ao trabalho para realizar o sonho que toda a criança tem
“de ser o que quiser quando crescer”.
Porque a mídia não respeita a população
trans/ mulheres travestis. A grande maioria dos jornalistas ignorantes
com os estudos de gênero aos quais é possível ter acesso dentro da
própria academia já que as nossas universidades são referências mundiais
em estudo de gênero, mesmo assim firmam tratar gênero por sexo
biológico, chamando de “O travesti” quando na realidade pode ser uma
mulher transexual ou uma travesti, pois o “termo” “O travesti” é
desrespeitoso com a identidade de gênero do indivíduo, assim como “A
lésbica sapatão” ao se referirem aos homens transexuais. Além de serem
responsável por contabilizar de forma errada as mortes da população
trans/ mulheres travestis já que todas são tratadas como “O homem
vestido de mulher é assassinado”, ou “Um gay com roupas femininas foi
encontrado morto” o que aumentam somente as estatísticas de morte
referente aos gays mesmo a população trans / mulheres travestis na sua
grande maioria não sendo gays e invisibilizam as mortes da população
trans/ mulheres travestis. Fomentando com esses termos ainda mais a
violência e a morte da nossa população.
Porque ainda a população trans/ mulheres
travestis são vistas como objetos sexuais e colocadas à margem da
sociedade por aqueles que nos negam empregos durante o dia, mas pagam
para sair conosco durante a noite, quando não nos matam depois da
relação sexual pelo simples fato de despertarmos desejos sexuais e
fazermos com que ele se sintam menos “homens”. Bem, sabemos que a
maioria dos assassinos de mulheres transexuais e mulheres travestis
tentam matar nelas aquilo que não conseguem matar dentro deles próprios.
Porque somos vistas como “pedófilas”,
“pederastas” e incentivadoras do “homossexualismo” culpadas pelo crime
de organizar uma “ditadura gay” para destruir com a família tradicional
brasileira.
Porque as unidades de ensino resolveram
retirar dos planos municipais e estaduais da educação a discussão de
gênero que poderia fazer o enfrentamento e o combate ao preconceito no
nosso país.
Porque os nossos líderes religiosos
ganham muito dinheiro com a proposta de curar gays e pessoas
transexuais/ mulheres travestis, e utilizam das nossas fraquezas como
moeda de troca, como um meio de capitar recursos financeiros em troca da
tão sonhada “cura” que representa para muitas a aceitação social por
sermos quem somos ao invés de proporcionar aquilo que a religião prega
que é a paz de espírito e o amor ao próximo.
Porque muitas das meninas nunca
estiveram em uma sala de cinema. E como este filme nos representa,
gostaríamos de ajudar a contribuir mesmo que com pouco para mostrar o
nosso reconhecimento as pessoas que fazem um trabalho de serviço a
população trans/ mulheres travestis com dignidade e respeito, o que
raramente acontece no mundo todo.
Poderia citar muitos motivos pelo qual
motivaram a idealização desse projeto. Lamento que não vamos conseguir
por enquanto realizar o nosso sonho, que era de levar pelo menos 10
pessoas trans/ mulheres travestis até o cinema, comer pipoca assistindo o
filme “A Garota Dinamarquesa” e tirar fotos ao lado do pôster do filme,
pois nem isso foi posto em nenhum cinema, porque diferente de outros
estados, em Santa Catarina nos somos um segredo, muito requisitado nas
esquinas e mantido por aqueles que se dizem não se misturar com “isso”.
Só lembrando que quem procura, minimamente tem carro e dinheiro para
pagar o programa e o motel que não é barato, logo sabemos muito bem de
que classe que estamos falando. Pois os homens pertencentes a essa
classe tem medo de se deparar com a população trans/ mulheres travestis
que eles procuram à noite às escondidas, nos mesmos espaços públicos que
eles frequentam com as suas famílias e amigos, temem que os seus
segredos sejam revelados.
publicado originalmente em: http://desacato.info/adeh-faz-carta-de-repudio-aos-cinemas-comerciais-de-florianopolis/
Podem vê-la aqui subtitulada em espanhol:
ResponderExcluirhttp://miradetodo.com.ar/…/La-chica-danesa-The-Danish-Girl-…
enlace alternativo
http://gnula.nu/…/ver-the-danish-girl-la-chica-danesa-2015…/
"Em suas memórias, em setembro de 1931, ela escreve: “Sonhei noite passada com minha mãe. Ela me pegou pelos braços e me chamou de Lili”. No dia 13 daquele mês, Elbe morreu dias antes de completar 50 anos, sem saber o quanto inspiraria a luta de tantos transsexuais em busca de sua essência". http://www.clippinglgbt.com.br/a-real-garota-dinamarquesa-como-uma-pintora-foi-pioneira-na-luta-trans/
ResponderExcluirNinguém é tão bom quanto todxs nós juntos! http://obaratodefloripa.com.br/apos-mobilizacao-floripa-tera-estreia-de-a-garota-dinamarquesa-pessoas-trans-poderao-ir-de-graca/
ResponderExcluirEste ator é excelente. Vem trabalhando em produções de valor e sabe usar bem o seu visual no todo e sua expressão facial para impactar positivamente, quanto à presença de seus personagens.
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