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sábado, 26 de janeiro de 2013

Cinema violento faz pensar...

A antropóloga e professora da USP, Rose Satiko Gitirana Hikiji, comenta o lançamento do seu livro "Imagem-violência: etnografia de um cinema provocador". Reportagem extraída do site da USP:

No cinema, eles atiram primeiro e perguntam depois. Tamanha violência, representada em histórias contadas por diretores polêmicos, pode fomentar não apenas admiração ou repulsa no espectador, mas também novas formas de se pensar acerca da sociedade em que vivemos.
Em seu livro Imagem-violência: etnografia de um cinema provocador, Rose Satiko Gitirana Hikiji, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, analisa um conjunto de filmes lançados nos anos 1990, tais como Cães de Aluguel e Pulp Fiction, de Quentin Tarantino, Fargo, dos irmãos Coen, A estrada perdida, de David Lynch, Violência gratuita, de Michael Haneke, entre outros. Sob a ótica da antropologia visual, Rose reflete como filmes podem ser pensados enquanto produtos culturais que veiculam representações, recortam e organizam a experiência social, contando histórias, tempos, lugares, sentimentos e perspectivas que sintetizam visões de mundo.

Para a professora, a escolha do cinema como objeto de pesquisa ainda é um desafio para o campo da pesquisa antropológica. Filmes, diferente de pessoas, podem ser considerados interlocutores trabalhosos. Entretanto, a paixão pessoal da autora pelo audiovisual serviu como combustível para sua análise. “Eu adoro cinema”, conta Rose. “Quando fazia minha graduação em Ciências Sociais, nos anos 1990, descobri com a professora Sylvia Caiuby Novaes, que viria ser minha orientadora na pós-graduação, a antropologia visual. Não eram muitos os estudos sobre cinema a partir da antropologia, mas os poucos existentes, além da abordagem mais geral sobre a imagem a partir da antropologia, me atraíram para este campo de pesquisa”.
Tradicionalmente, o território da antropologia se fundamenta no estudo dos mitos. São eles que constituem as narrativas orais que dão base aos diversos estudos da área. Entretanto, alguns antropólogos experimentaram a apropriação das reflexões antropológicas sobre os mitos para pensar o cinema.

Citados em “Imagem-violência”, o americano John Weakland e o francês Edgar Morin são dois exemplos de pensadores que trabalharam o cinema pela luz da etnografia. Para eles e para Rose, filmes são narrativas culturalmente construídas. “Não são relatos realistas, mas ‘dramatizações’ da realidade. O filme, como um mito, relaciona-se com a realidade de forma dialética, estabelecendo parâmetros ao espectador”, explica a professora.
De acordo com o próprio Morin, o cinema nos permite projetar mil outras vidas. Podemos, a partir da ficção audiovisual, experimentar de forma segura situações que seriam arriscadas na vida real: paixões, aventuras e, naturalmente, cenas de violência.


Interessada em como a violência é mediada pelas mídias, Rose cita o antropólogo Michael Taussig ao lembrar que muitos de nós conhecemos o terror apenas pela história narrada. “Isso diz muito sobre a importância dos meios de comunicação”, afirma. Nesse contexto, “a narrativa pode ser eficaz contra o terror. Ela pode desestabilizar o terror, revelando seu discurso, e operar como um contradiscurso. Isso me interessa muito”.
Riso como provocação

Concentrando sua análise em lançamentos cinematográficos dos anos 1990, a professora descreve a década como anos de “hiper-representação da violência”, atribuindo ao gosto do público a abundância de produções com esse foco. “A saturação, o excesso de imagens, a perda do impacto de certas imagens, a necessidade de imagens cada vez mais realistas e hiper-realistas para provocar o espectador. O cinema que analiso foi uma resposta a este desejo por imagens de ação violenta, mas uma resposta muitas vezes irônica”, conta Rose.
Filmes como Cães de Aluguel, que, conforme um dos exemplos citados na obra, retiram a humanidade de uma categoria de indivíduos (“os tiras”) para justificar seu extermínio violento, fizeram sua parte para fomentar a reflexão do espectador sobre a relação maniqueísta que se estabelece em filmes policiais. Brincando com a tradição do gênero, Tarantino conduz o espectador a questionar quem “merece” ou não ser morto em suas produções. Muitas vezes, provocando no público risos inesperados diante das mais horripilantes cenas de violência. 
“O riso nas exibições de filmes que mostravam cenas de grande violência física foi um dos fatores que mais me chamou a atenção para os filmes que analiso”, pontua Rose. “Percebi que o riso por vezes pode ser o ‘riso nervoso’, que alivia o pavor. Outras vezes, é a resposta esperada pelo diretor, que brinca com uma situação supostamente séria (como quando os protagonistas de Pulp Fiction têm que lidar com os pedaços de cérebro que ficam grudados no teto do carro)”, lembra a professora antes de apontar que “o fato é que o riso no lugar errado é provocador. Pode até fazer pensar”.
Dentre as conclusões do trabalho, Rose destaca que, nos filmes analisados existe uma dupla relação com a violência, “ela é tema e forma, simultaneamente”. O resultado, em sua interpretação, é um potencial crítico acerca de nossa relação com violência e com a imagem da violência.
Salientando, em especial, que perspectiva escolhida não pensa o cinema como um reflexo direto da realidade, e tampouco pensa o cinema como um estímulo ou inspiração para a violência na sociedade, a autora destaca que analisou o cinema não como reflexo, mas como reflexão acerca do social.
“As pessoas não se tornariam mais ou menos violentas por ver filmes, mas alguns filmes podem provocar novas formas de pensar sobre o assunto”, finaliza.

 
Sobre o livro

Lançado em janeiro pela editora Terceiro Nome, Imagem-violência: etnografia de um cinema provocador faz parte da coleção Antropologia Hoje, uma parceria da Terceiro Nome e do Núcleo de Antropologia Urbana (NAU) da USP para a divulgação de trabalhos, ensaios e resultados de pesquisas etnográficas na área da antropologia voltados à dinâmica cultural e aos processos sociais contemporâneos. 

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